Rudolfo Lago, Os Divergentes
Em frente ao Congresso Nacional, por um curto tempo na tarde
desta segunda-feira (16), a placa de identificação do prédio foi alterada.
Podia-se ler o seguinte: “Formação de quadrilha, corrupção ativa. O grande
acordo nacional”. Pouco importa que o tempo em que tal alteração se manteve
tenha sido curto. Na era da internet e das redes sociais, basta que dure os
segundos suficientes para que viralize. E quanto mais ela viralizar, mais
significará o quanto estará próxima do sentimento nacional. E a placa
modificada com a mensagem de protesto viralizou…
E viralizou no momento em que o Congresso está às vésperas
de decidir sobre duas questões cruciais, cada uma delas em uma das suas casas.
A Câmara dará ou não autorização ao Supremo para dar prosseguimento ao segundo
processo movido contra o presidente Michel Temer pela Procuradoria Geral da
República? O Senado manterá ou não a decisão do Supremo de afastar do mandato
Aécio Neves, proibindo-o também de sair de casa à noite?
Helena Chagas já definiu de maneira perfeita o dilema que
acontece no Senado, que é mais ou menos semelhante ao da Câmara. Prevalece o
Efeito Orloff do “eu sou você amanhã” ou o Efeito Murici que diz que em tempos
bicudos “cada um cuida de si”? Algo que a frase de protesto também resume, optando,
porém, pela conclusão quanto a um dos caminhos: avaliando que, em vez de
“Congresso”, teríamos ali o “acordo nacional”.
O grande perigo desses nossos dias é que os poderes da
República estão imensamente desequilibrados. Com uma novidade, porém, que torna
o caldo ainda mais venenoso: ninguém hoje confia inteiramente em nenhum dos
três Poderes. Na verdade, nessa estranha República brasileira, foram poucos de
fato os momentos de equilíbrio entre eles. Vejamos desde o fim da ditadura
militar. Quando Tancredo Neves morreu, assumiu o poder um fraco José Sarney.
Com um fortíssimo Ulysses Guimarães presidindo ao mesmo tempo a Câmara dos
Deputados e a Assembleia Nacional Constituinte. Tempos, então, de Legislativo
forte se impondo sobre o Executivo.
Depois especialmente do escândalo dos Anões do Orçamento,
foi-se construindo um tempo de Congresso desmoralizado. Com um Executivo que se
fortaleceu no governo Fernando Henrique Cardoso e sobretudo no governo Luiz
Inácio Lula da Silva, especialmente depois que ele passou a posar de semideus
venerado por seus eleitores e com altíssima popularidade.
Agora, temos Executivo e Legislativo desmoralizados pelos
seguidos escândalos de corrupção. Com um Judiciário fortalecido. E com um braço
independente que vai tomando ares de um quarto poder forte na República: o
Ministério Público.
Já de algum tempo, antes da crise se tornar mais aguda,
sentia-se a força do Judiciário no fenômeno que se batizou de “judicialização
da política”: diante de um Legislativo intimidado e paralisado, mais e mais o
Judiciário, especialmente o Supremo, começou a tomar decisões nas quais parecia
legislar em nome do Congresso. E também foi-se construindo a força do
Ministério Público.
A investigação da Lava-Jato e os seguidos escândalos
generalizaram o questionamento sobre a forma de se fazer política e a relação
entre financiadores e financiados, tornando todo mundo suspeito. Atingindo os
primeiros escalões tanto do Executivo quanto do Legislativo. Naturalmente, os
poderes tratam de tentar se proteger.
O rolo fica ainda mais complicado quando não se tem convicção
quanto a todas as motivações do Ministério Público nos processos em que atua ou
do Judiciário nos julgamentos e nas decisões que toma. Ou seja: quando se
desconfia de tudo e de todos nesse tempo confuso e desesperançado em que
vivemos. É o risco da placa de protesto, afinal, estar errada e vivermos, em
vez de um “acordo nacional”, um tempo de absoluto “desacordo nacional”…
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