Artigo de Fernando Gabeira
No vestiário da piscina, cumprimento um amigo.
— Tudo bem — responde.
— Família?
—Tudo bem conosco, família, amigos. Mas o país…
Mesmo entre as pessoas que passam bem e tocam seu barco
cotidiano, as conversas tendem a terminar assim, com um lamento sobre o Brasil.
Isso acontece também em diálogos na rede social. Mas é diferente. Com a
presença física do outro, sentimos mais fortemente o desencanto com o país.
Não sei se por nostalgia dos tempos de manifestações,
passeatas, assembleias, às vezes sinto um vazio que a internet não preenche.
Era como se estivesse numa sala e perguntasse: onde estão todos nesse momento?
Sei que posso encontrá-los num simples clique. Mas não é a mesma coisa. A
respiração ofegante, olhares, o suor escorrendo, gritos — tudo isso faz parte
do mundo que convencionamos chamar de presencial.
Creio que 2018 será diferente. Eu mesmo já me desloco para
ouvir amigos, conversar com eles sobre o buraco em que nos metemos. Não tenho
grandes certezas, nem um discurso acabado. Ambos não ajudam numa boa conversa.
De que adianta falar com quem acha que sabe tudo?
Suspeito, no entanto, que um período se fechou com os 13
anos do governo de esquerda. Suas políticas, no campo econômico, mostraram-se
insustentáveis no sentido mais elementar do termo: o Brasil praticamente
quebrou. Na dimensão ética, a passagem da esquerda pelo governo foi uma
catástrofe maior que os desastres do passado. Um período fora do governo fará
bem a ela. Os conservadores ingleses tendem a considerar bem-vindos os momentos
de oposição. Podem descansar do poder e refletir sobre o período em que
estiveram lá. A esquerda continuará lutando para voltar ao governo, como ponto
central de sua agenda. Não é dada a longos períodos de reflexão e tem uma
dependência física do poder, seus cargos e benesses. No quadro brasileiro,
suponho que haverá uma alternância e deve se seguir uma etapa em que forças
liberais e conservadoras ocupem o espaço na direção do país. Ignoro ainda como
vão combinar essas duas tendências, que tipo de arranjo surgirá daí. Constato
apenas que existe uma contradição bastante nítida entre preservar os valores da
família e comunitários e apoiar a revolução do mercado global.
Tenho ouvido falar de Margaret Thatcher como um exemplo
luminoso. Se analisarmos a experiência da Dama de Ferro, veremos que as
profundas mudanças que provocou na Inglaterra enfraqueceu os conservadores. Sua
tese de que o importante era impedir que os trabalhistas voltassem um dia ao
governo tinha um tom de arrogância que acabou resultando em Tony Blair, com
propostas liberais e um rótulo de terceira via, inventado pelo marketing
politico. Em ambos os casos, as forças de mercado cresceram e se espraiaram por
serviços públicos. As organizações quase governamentais tornaram-se um forte
setor da economia.
No Brasil, existe uma simpatia maior pelo papel do Estado. O
processo será mais difícil. Thatcher, ao assumir, revelou que gostaria de um
retorno aos rígidos valores vitorianos. Mas isso parece ter escapado de suas
mãos, pois a Inglaterra tornou-se mais tolerante, inclusive com uma maior
aceitação do homossexualismo. O que quero dizer com isso é que assim como a
realidade mostra-se um pouco irredutível, sempre colocando armadilhas na
trajetória da esquerda, ela o fará também com o sonhos das forças que tendem a
substituí-la.
Todas essas interrogações que tenho sobre o futuro,
respeitando os que têm certezas acabadas, tornam o quadro mais complexo com a
septicemia nos órgãos públicos. Nesta semana ficou mais clara ainda como o
processo se espalhou pelas milhares de prefeituras brasileiras. Em Porto
Seguro, Cabrália e Eunápolis, os prefeitos foram afastados por corrupção.
Circulou um vídeo em que a prefeita de Porto Seguro confessa, alegremente, sua
propensão a roubar 50% dos investimentos numa obra pública. Em Teresópolis, o
prefeito Mario Tricano, ele mesmo já afastado, denunciou um esquema de
corrupção que envolve todos os 12 vereadores.
No Rio, a Polícia Federal revela que Cabral comprou dossiês
para atacar o juiz Marcelo Bretas. Até aí nada de surpreendente. O que
surpreende é a Justiça, na pessoa de Gilmar Mendes, recusar-se tão
ostensivamente a aceitar as evidências das ameaças de Cabral. O que importa
mais alguns casos de corrupção e gangsterismo num país que já viveu tantos
deles, ao longo dos anos?
A tese central é que o povo espera as eleições para corrigir
os erros. Recentemente, surgiu uma notícia de que os militares duvidam desse
roteiro. Temem que a crise econômica se aprofunde, o Estado quebre mais
completamente e traga com sua ruína grandes inquietações sociais. A reforma da
Previdência foi para o espaço, ao que tudo indica. O chamado Centrão vai
controlar os ministérios. As hienas prosseguem seu banquete devorando o que
resta dos recursos públicos.
É hora de conversar, trocar ideias, criar vínculos.
Candidatos fazem caravanas; amigos fazem visitas. Com todo respeito pelo
intenso debate na internet, suspeito que é hora de levantar da cadeira.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 12/11/2017
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