Artigo de Fernando Gabeira
De vez em quando, o Brasil entra nuns desvios e perde o
foco, mesmo vivendo uma crise profunda, com alarmes assustadores, como o rombo
na Previdência. Esse desvio foi uma escolha da esquerda. E o País, no conjunto,
acabou distraído com a sorte do ex-presidente Lula.
Havia mais gente nas filas de vacina contra a febre amarela
do que manifestantes na rua. Não perdemos o fio terra.
Esse descaminho começou com a tática do PT de negar a
montanha de evidências trazidas pela Lava Jato. A tarefa principal era salvar
Lula da cadeia. Foi o motivo de ele ter-se declarado candidato a presidente, de
novo.
Com esse movimento, associaram a sorte de Lula ao rumo das
eleições e acharam a mola política com que iam saltar a montanha de evidências:
explicar os fatos como uma conspiração da Justiça; se as pessoas não percebem
isso, é porque a conspiração tem outro braço poderoso, a grande imprensa.
Para a esquerda, a sorte de Lula, a das eleições e da
democracia são a mesma coisa. Não perdi tempo tentando discutir isso. É apenas
uma cortina de fumaça que nos afasta da tarefa de reconstruir o País e, dentro
dos limites, realizar mudanças no sistema político.
A decisão do TRF-4 foi uma espécie de choque da realidade,
embora uma perspectiva política carregada de religiosidade possa ver nessa
derrota apenas um prenúncio da grande vitória final.
Foram muitas as visões. Viram alguém com um cartaz “Forza Luca”
na torcida do Bayern de Munique e acharam que era “Forza Lula”. Viram ônibus de
mochileiros vindos da fronteira e acharam que eram apoiadores de Lula.
Nada contra o direito de delirar. Mas quando o delírio
compromete o foco de reconstrução nacional, ele preocupa. De certa forma, acho
que a própria imprensa – a grande manipuladora, na opinião da esquerda – acaba
embarcando nessa expectativa de um grande acontecimento, na verdade, uma
condenação lógica e previsível.
Não porque a imprensa tenha uma tendência à esquerda. Ouvi a
cobertura do caso na estrada, o rádio passando por várias cidades, vozes
diferentes. Existe uma certa expectativa de projetar problemas futuros. Passada
a decisão, ela se deslocou para os recursos que podem surgir.
O resultado foi de três a zero. Claro que pode haver
recurso, mas não tem importância nenhuma. Ninguém pergunta ao time de futebol
que sofre uma goleada se vai entrar com um recurso. E se entrar, pouca atenção
se dá a ele.
Quando me dei conta, já havia um cipoal de recursos
previstos, de forma que o problema só seria resolvido em agosto de 2018 e até
lá seríamos prisioneiros desse impasse. Parece que existe uma satisfação em
escavar recursos e apelações, enfim, um desejo inconsciente de não sairmos do
lugar, pelo menos até agosto.
Mas os dados estão lançados. Assim que for julgado o
recurso, pela lógica de condenação em segunda instância Lula será preso.
Essa é a leitura que fiz na estrada. De forma muito
frequente os comentaristas se abstraem da consequência legal da decisão e se
fixam nas eleições. É como se Lula tivesse sido condenado simbolicamente e
tivesse apenas pela frente uma longa batalha jurídico-burocrática.
Enfim, ao dramatizar um recurso perdido de antemão o Brasil
construiu uma grande plataforma emocional, um espaço de distração, cheio de
pequenos sobressaltos. Ao invés de cair na realidade e olhar para a frente, vai
acompanhar a longa marcha da esquerda pelo tapetão.
Peço desculpas de novo por me ausentar dessa questão, como
me ausentei da história do recurso no TRF-4. Havia provas testemunhais,
periciais e documentais e o TRF-4 tinha confirmado todas as principais
sentenças de Moro.
A emoção desloca-se para embargos de declaração, recursos
especiais, enfim, pela perpetuação do jogo.
As multidões que foram às filas de vacina contra a febre
amarela, embora um pouco alarmadas, estavam com um pé na realidade, esperando
que o universo político-midiático se volte para problemas reais da reconstrução
do Brasil. Toda essa encenação dramática do PT diante de um fato inevitável foi
a fonte de diversão e material para o suspense jornalístico.
Não tem jeito. Se o ritmo escolhido pela imprensa for também
o de dramatizar o tapetão, então vamos ter de esperar com paciência.
O problema é que está chegando a hora de discutir
alternativas para o País. Fabio Giambiagi, que estuda há muitos anos o déficit
da Previdência, encontrou uma imagem para a situação do País: o Brasil
suicida-se em câmera lenta.
Se consideramos o tempo curto e a necessidade do foco na
reconstrução, veremos que também na política é preciso olhar para a frente.
Toda essas dispersões, esse falsos dramas, servem apenas para consolidar nosso
atraso.
Um gigantesco esquema criminoso assaltou o País durante
muitos anos. Investigações eficazes e um magnífico trabalho de equipe nos
puseram diante de toneladas de evidencias. É razoável esperar que as pessoas
sejam condenadas e presas.
Dentro ou fora da cadeia, Lula será um importante eleitor.
Não creio que tenha descido acidentalmente ao lado de Jaques Vagner e Fernando
Haddad em Porto Alegre. Faz parte do ritual comunista indicar a sucessão pela
proximidade física nas aparições em público. Com o tempo, até eles terão de
olhar para a frente, como a viúva que aos poucos deixa o luto e encara de novo
a vida.
O jogo acabou. O Brasil livrou-se de um populista em 2018.
Mas não se livrou do populismo. Esse é ainda um grande problema do amanhã, que
só um amplo e qualificado debate nacional pode superar.
Há um longo caminho pela frente, espero que possamos vê-lo
com, nitidez, em vez de nos perdemos na gritaria de derrotados pela sociedade,
que deseja justiça e instituições que a apliquem com transparência.
Artigo publicado no Estadão em 26/01/2018
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