sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

A LONGA MARCHA PELO TAPETÃO

Artigo de Fernando Gabeira
De vez em quando, o Brasil entra nuns desvios e perde o foco, mesmo vivendo uma crise profunda, com alarmes assustadores, como o rombo na Previdência. Esse desvio foi uma escolha da esquerda. E o País, no conjunto, acabou distraído com a sorte do ex-presidente Lula.
Havia mais gente nas filas de vacina contra a febre amarela do que manifestantes na rua. Não perdemos o fio terra.
Esse descaminho começou com a tática do PT de negar a montanha de evidências trazidas pela Lava Jato. A tarefa principal era salvar Lula da cadeia. Foi o motivo de ele ter-se declarado candidato a presidente, de novo.
Com esse movimento, associaram a sorte de Lula ao rumo das eleições e acharam a mola política com que iam saltar a montanha de evidências: explicar os fatos como uma conspiração da Justiça; se as pessoas não percebem isso, é porque a conspiração tem outro braço poderoso, a grande imprensa.
Para a esquerda, a sorte de Lula, a das eleições e da democracia são a mesma coisa. Não perdi tempo tentando discutir isso. É apenas uma cortina de fumaça que nos afasta da tarefa de reconstruir o País e, dentro dos limites, realizar mudanças no sistema político.
A decisão do TRF-4 foi uma espécie de choque da realidade, embora uma perspectiva política carregada de religiosidade possa ver nessa derrota apenas um prenúncio da grande vitória final.
Foram muitas as visões. Viram alguém com um cartaz “Forza Luca” na torcida do Bayern de Munique e acharam que era “Forza Lula”. Viram ônibus de mochileiros vindos da fronteira e acharam que eram apoiadores de Lula.
Nada contra o direito de delirar. Mas quando o delírio compromete o foco de reconstrução nacional, ele preocupa. De certa forma, acho que a própria imprensa – a grande manipuladora, na opinião da esquerda – acaba embarcando nessa expectativa de um grande acontecimento, na verdade, uma condenação lógica e previsível.
Não porque a imprensa tenha uma tendência à esquerda. Ouvi a cobertura do caso na estrada, o rádio passando por várias cidades, vozes diferentes. Existe uma certa expectativa de projetar problemas futuros. Passada a decisão, ela se deslocou para os recursos que podem surgir.
O resultado foi de três a zero. Claro que pode haver recurso, mas não tem importância nenhuma. Ninguém pergunta ao time de futebol que sofre uma goleada se vai entrar com um recurso. E se entrar, pouca atenção se dá a ele.
Quando me dei conta, já havia um cipoal de recursos previstos, de forma que o problema só seria resolvido em agosto de 2018 e até lá seríamos prisioneiros desse impasse. Parece que existe uma satisfação em escavar recursos e apelações, enfim, um desejo inconsciente de não sairmos do lugar, pelo menos até agosto.
Mas os dados estão lançados. Assim que for julgado o recurso, pela lógica de condenação em segunda instância Lula será preso.
Essa é a leitura que fiz na estrada. De forma muito frequente os comentaristas se abstraem da consequência legal da decisão e se fixam nas eleições. É como se Lula tivesse sido condenado simbolicamente e tivesse apenas pela frente uma longa batalha jurídico-burocrática.
Enfim, ao dramatizar um recurso perdido de antemão o Brasil construiu uma grande plataforma emocional, um espaço de distração, cheio de pequenos sobressaltos. Ao invés de cair na realidade e olhar para a frente, vai acompanhar a longa marcha da esquerda pelo tapetão.
Peço desculpas de novo por me ausentar dessa questão, como me ausentei da história do recurso no TRF-4. Havia provas testemunhais, periciais e documentais e o TRF-4 tinha confirmado todas as principais sentenças de Moro.
A emoção desloca-se para embargos de declaração, recursos especiais, enfim, pela perpetuação do jogo.
As multidões que foram às filas de vacina contra a febre amarela, embora um pouco alarmadas, estavam com um pé na realidade, esperando que o universo político-midiático se volte para problemas reais da reconstrução do Brasil. Toda essa encenação dramática do PT diante de um fato inevitável foi a fonte de diversão e material para o suspense jornalístico.
Não tem jeito. Se o ritmo escolhido pela imprensa for também o de dramatizar o tapetão, então vamos ter de esperar com paciência.
O problema é que está chegando a hora de discutir alternativas para o País. Fabio Giambiagi, que estuda há muitos anos o déficit da Previdência, encontrou uma imagem para a situação do País: o Brasil suicida-se em câmera lenta.
Se consideramos o tempo curto e a necessidade do foco na reconstrução, veremos que também na política é preciso olhar para a frente. Toda essas dispersões, esse falsos dramas, servem apenas para consolidar nosso atraso.
Um gigantesco esquema criminoso assaltou o País durante muitos anos. Investigações eficazes e um magnífico trabalho de equipe nos puseram diante de toneladas de evidencias. É razoável esperar que as pessoas sejam condenadas e presas.
Dentro ou fora da cadeia, Lula será um importante eleitor. Não creio que tenha descido acidentalmente ao lado de Jaques Vagner e Fernando Haddad em Porto Alegre. Faz parte do ritual comunista indicar a sucessão pela proximidade física nas aparições em público. Com o tempo, até eles terão de olhar para a frente, como a viúva que aos poucos deixa o luto e encara de novo a vida.
O jogo acabou. O Brasil livrou-se de um populista em 2018. Mas não se livrou do populismo. Esse é ainda um grande problema do amanhã, que só um amplo e qualificado debate nacional pode superar.
Há um longo caminho pela frente, espero que possamos vê-lo com, nitidez, em vez de nos perdemos na gritaria de derrotados pela sociedade, que deseja justiça e instituições que a apliquem com transparência.
Artigo publicado no Estadão em 26/01/2018
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