Elio Gaspari, Folha de S.Paulo
Desde que entrou na política Lula mostrou-se um hábil
manipulador do medo que o andar de cima tem da rua. Ele põe sua gente na praça,
estimula bandeiras radicais e se oferece como pacificador. Quando os radicais
passam a incomodá-lo, afasta-se deles. Essa mágica funcionou durante mais de 30
anos, mas mostrou sinais de esgotamento a partir de 2015, quando milhões de
pessoas foram para a rua gritando "Fora PT". Ele quis reagir
mobilizando o que supunha ser seu povo, mas faltou plateia.
Agora o mágico reapresentou o truque. Ele informa que não
tem "razão para respeitar" a decisão do TRF-4. Sabe-se lá o que isso
quer dizer. Se é uma zanga pessoal, tudo bem. Pode ser bravata, pois ele
cancelou a viagem à Etiópia e entregou o passaporte à polícia. Isso é coisa de
quem respeita juízes.
Enquanto Lula é vago em suas ameaças, João Pedro Stedile, do
MST, é mais direto : "Aqui vai o recado para a dona Polícia Federal e para
a Justiça: não pensem que vocês mandam no país. Nós, dos movimentos populares,
não aceitaremos de forma nenhuma que o nosso companheiro Lula seja preso".
A ver.
Em 2015, Lula defendia a permanência de Dilma Rousseff
dizendo que era um homem da paz e da democracia, mas "também sabemos
brigar, sobretudo quando o Stedile colocar o exército dele nas ruas".
Viu-se que o temível exército de Stedile não existia. Na parolagem catastrófica
da época, o presidente da CUT, Vagner Freitas, dizia que "se esse golpe
passar, não haverá mais paz no país". Houve. (A CUT remunerava seus
manifestantes. Um deles, imigrante da Guiné, tinha o boné da central, mas não
falava português. Estava na avenida Paulista porque recebera R$ 30.)
Nas recentes manifestações dos trabalhadores sem teto em São
Paulo, a via Dutra e a marginal Pinheiros foram bloqueadas com o incêndio de
pneus. Eram mais de 50 pneus em cada bloqueio. Ganha um fim de semana em
Pyongyang quem souber como se conseguem 50 pneus sem uma infraestrutura
militante e incendiária.
O truque é velho, mas, desta vez, apareceram dois
personagens surpreendentes. Primeiro veio Gleisi Hoffmann, presidente do PT:
"Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente, mas, mais do que
isso, vai ter que matar gente. Aí, vai ter que matar. Na quarta-feira, diante
da condenação de Lula, ela avisou: "A partir deste momento, é
radicalização da luta".
Gleisi Hoffmann não é uma liderança descartável. Foi Lula
quem a colocou na cadeira. Admita-se que ela exagerou na primeira frase e foi
genérica na segunda. É nessa hora que entra o comissário Luiz Marinho: "Se
condenarem o Lula vão apagar fogo com gasolina. Depois, arquem com as
consequências. A toda ação corresponde uma reação. Nós não estamos falando em
pegar em armas, mas não vamos aceitar uma prisão para tirar Lula da
disputa".
Marinho é o herdeiro presuntivo de Lula e candidato ao
governo de São Paulo. Presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a CUT. Foi
ministro da Previdência e defendeu correções nos benefícios de aposentados e
pensionistas. Confrontado com uma manifestação que lhe bloqueava o caminho, o
motorista do seu carro oficial avançou e feriu três manifestantes. Dias depois,
o ministro comentou o episódio: "O pessoal veio agredir o carro". Em
2008 Marinho elegeu-se prefeito de São Bernardo com uma campanha de barão,
orçada em R$ 15 milhões. É um dos comissários petistas que podem ser
encontrados com frequência na copa ou na cozinha de Lula. Antes do julgamento,
no entristecido café da manhã de Lula com sua família, só havia dois amigos:
Marinho e o advogado Roberto Teixeira.
Os sinais dados por Marinho e Gleisi indicam que há um
flerte de Lula com os radicais que bloqueiam a Dutra com 50 pneus. Esse poderá
ser mais um dos seus erros num processo que começou há muito tempo, quando ele
decidiu alisar o pelo de petistas corruptos. Desta vez, tentando se colocar
como vítima de um pacto sinistro, Lula queima o filme do coitadinho, inocente e
perseguido. Alguns dirigentes petistas já compreenderam o risco e trabalham
para aquietar o "Momento Nero" de Lula, até porque esse é um Nero de
baile de Carnaval.
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