Artigo de Fernando Gabeira
A esquerda sofre o primeiro grande baque na sua tática de
contornar os escândalos revelados, em vez de buscar o caminho mais longo e
doloroso de reconhecimento dos fatos e uma tentativa de renovação.
Foi uma escolha voluntarista. Saltar a montanha de evidências
— milhões de dólares devolvidos, delações, ruína da Petrobras — só era possível
através da politização nebulosa. O grande processo de corrupção foi narrado
como uma conspiração da Justiça e articulada com uma imprensa manipuladora
O segundo passo Lula tomou ao se declarar candidato. Agora a
conspiração da Justiça e da imprensa não era mais do que uma tentativa de
barrar sua candidatura.
Mas os fatos estavam aí. A previsão otimista da tática era
despertar um grande processo popular, através da pré-campanha, de apoio ao
líder perseguido. Isso não aconteceu. Só foi possível reunir militantes e
movimentos sociais a partir de um estímulo vertical.
Na medida em que isto não acontecia, a tendência foi a de
elevar o tom, de radicalizar verbalmente. A senadora Gleisi Hoffmann chegou a
afirmar que muita gente ia morrer. Quem ia morrer? O porteiro do TRF-4?
O senador Lindbergh Farias disse também que era preciso uma
esquerda de combate, e que aqueles que defendiam a condenação de Lula iriam encontrá-los
preparados para a luta na rua.
Quando José Dirceu afirmou que era preciso bater o
adversário nas urnas, visava a um adversário específico, tanto que Mário Covas
foi a vítima.
Mas como realizar esse combate, se as pessoas que querem a
condenação de Lula estão vivendo sua vida normalmente, alheias ao roteiro
dramático de Lindbergh. A única maneira seria sair por aí, nos bares, nas
praças, perguntando quem é a favor da condenação de Lula e, aí então, sair na
pancada.
Esse movimento de fé acabaria, como quase todos, em visões
dessas que aparecem quando desejamos muito.
A senadora Gleisi Hoffmann viu um defensor de Lula na
torcida do Bayern de Munique. Era apenas um cartaz dizendo “Forza, Lucca”, um
torcedor ferido num estádio europeu.
O deputado José Guimarães viu num comboio de sacoleiros rumo
à fronteira os ônibus de apoiadores de Lula.
E a deputada Maria do Rosário usou a previsão de um tsunami
nos Estados Unidos, marcado em vermelho no mapa meteorológico, com ondas
gigantes que chegariam ao Guaíba. Neste caso, estava sonhando através da
ironia.
Para quem apontou em inúmeros artigos o desvio da política
para a defesa religiosa de um líder, isso não é uma surpresa. O choque da
realidade chegou. Vamos ver como reage a torcida do Bayern.
Artigo publicado no Jornal O Globo em 25/01/2018
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