Da ISTOÉ
O ano começou de forma violenta no Ceará. Primeiro foi a
chacina na danceteria Forró do Gago, no bairro Cajazeiras, em Fortaleza, que
deixou 14 mortos na madrugada do sábado 27. Entre as vítimas, oito mulheres,
duas delas menores de idade.Dois dias depois, dez detentos foram assassinados
dentro da cadeia de Itapajé, a 120 quilômetros da capital, em mais um capítulo
trágico do conflito entre facções criminosas que disputam o poder dentro e fora
do presídio. A sequência de 24 homicídios em tão curto espaço de tempo gerou um
alerta sobre o caos na segurança pública cearense. Por terem acontecido de
forma concentrada, eles parecem pontos fora da curva. Não são. Em janeiro, o
estado que concentra algumas das mais requisitadas atrações turísticas do
Nordeste registrou uma média diária de 15 mortes por dia, Os dados são da
Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social. Outro levantamento aponta que
a capital, Fortaleza, é disparada a mais violenta do País, com 78,1
assassinatos para cada 100 mil habitantes, segundo o mais recente Atlas da
Violência divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão
ligado ao Ministério do Planejamento. Os números revelam que o crime organizado
atua de forma maciça, invadindo fóruns, assaltando bancos e carros-fortes,
fechando o comércio, determinando toques de recolher e fazendo vítimas
indefesas em uma população que começa a viver sob tensão permanente.
A epidemia de violência urbana e prisional vem se alastrando
desde a última década no Ceará. Em 2017, o estado registrou 5134 homicídios,
contra 3408 no ano anterior – um aumento de 50%. A julgar pelo sangrento
janeiro de 2018, as estatísticas de criminalidade serão novamente superadas: o
mês teve 30% mais assassinatos que no mesmo período do ano passado. “Os
investimentos do governo não têm surtido os efeitos desejados e faltam medidas
mais pungentes de segurança pública”, afirma o presidente da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB-CE), Marcelo Mota, “Não é só a questão de uma chacina na
periferia ou em um presídio superlotado, mas a perda de controle sobre a
situação. Os bandidos estão vencendo”.
Na semana passada, o governo cearense entrou em um jogo de
empurra-empurra para dividir sua responsabilidade pela ocorrência das matanças
indiscriminadas. Ao tratar do massacre de Cajazeiras, o governador Camilo
Santana (PT) declarou que o governo federal é o responsável direto pelo combate
às ações do crime organizado e que o estado sofre as consequências da falta de
controle sobre o tráfico de armas e de drogas nas fronteiras do País. Disse
também que os quadros da PM cearense foram engrossados com 9 mil novos
policiais desde o início do seu governo, em 2015. Carlos Marun (PMDB-MS),
ministro da Secretaria de Governo, retrucou o governador. Ele considera absurda
a transferência de responsabilidade para o governo federal. Embora sofra com a
migração recente do crime organizado para seu território, o Ceará enfrenta outros
problemas específicos, como a superlotação dos seus presídios — dois terços da
sua população carcerária são presos provisórios — e outras distorções no seu
sistema penitenciário. Há cerca de 550 presos instalados nas delegacias do
estado.
A causa principal do disparo nos números de homicídios no
Ceará é uma disputa entre facções criminosas que se acentuou desde o ano
passado. Existe hoje um centro de poder nos presídios que comanda a guerra do
lado de fora — como um estado paralelo. Segundo o sociólogo César Barreira,
coordenador do laboratório de estudos da Violência (Lev) da Universidade
Federal do Ceará, há dois grupos consolidados, o Comando Vermelho e o PCC e
dois outros que tentam ocupar espaço e ganhar força — Guardiões do Estado e
Família do Norte. “Há uma disputa de poder entre as facções e também algumas
disputas internas e realinhamentos de interesses”, afirma. Ele explica que
tanto a Guardiães do Estado como a Família do Norte ainda são organizações
instáveis, em que não existe hierarquia bem definida nem disciplina e têm uma
composição muito jovem.
Disso deriva, em parte, a selvageria desses grupos. As
investigações indicam que membros dos Guardiões do Estado em conflito com o
Comando Vermelho protagonizaram tanto a chacina de Cajazeiras, quando saíram
atirando a esmo pelas ruas, como a de Itapajé, que aconteceu no início do banho
de sol no presídio, momento em que havia apenas um agente penitenciário
trabalhando. “A briga por territórios de venda de drogas e armas atinge toda a
região metropolitana e está indefinida”, afirma Barreira.
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