O verão está no fim. Sinto pela temperatura da água, pelos
ventos mais frios. Na Europa, segundo Hermann Hesse, há verão que tem morte
súbita: uma trovoada, dias de chuva e ele não volta mais.
Não é adequado falar das estações do ano numa página de
política. Elas nos remetem à passagem do tempo, aos lances da vida passada, e
só servem para ressaltar a tristeza do momento no Brasil.
Caminhamos para uma eleição imprevisível não apenas por
causa das pessoas que a disputam, mas também pela falta de dados sobre o que
farão, caso cheguem ao poder.
Fica difícil olhar para a frente. A questão da impunidade
não foi resolvida porque há um forte núcleo de resistência no STF.
Os ministros desse núcleo não consideram o caso encerrado,
pelo contrário, estão dispostos a uma luta permanente, a uma guerrilha técnica
para soltar os que estão presos e impedir a prisão dos que ainda estão na rua.
Lewandowski e Toffoli são simpáticos ao PT e desprezam a
luta contra a corrupção, talvez pela própria análise da esquerda que a
considera um fato de pé de página nos livros de história.
Gilmar Mendes não tinha essa posição, mas ao longo desses
anos tornou-se um grande adversário da Lava-Jato. Na sua fúria, ele se identifica
com a esquerda na medida em que quer soltar os que estão presos e, se possível,
prender juízes e procuradores.
Juntam-se a eles Marco Aurélio e Celso de Mello, que parecem
comprometidos com uma generosa tese jurídica e pouco se importam com suas consequências
catastróficas na vida real brasileira.
Não vou repetir o mantra de que a sociedade está dividida:
este mito é um bálsamo para as minorias. A sociedade apoia maciçamente a
Lava-Jato e quer punição para os culpados.
Mas o que pode a sociedade contra eles? No seu delírio de
mil e uma noites na Al Jazeera, Gleisi Hoffmann disse que a imprensa manda no
Supremo. Sabemos que não é assim. A imprensa reflete um clamor social contra a
impunidade. O próprio comandante do Exército se viu obrigado a manifestar sua
opinião sobre o tema, possivelmente por sentir que o clamor também chega às
suas tropas.
Mas falta a dimensão política. O sistema partidário adotou
uma posição defensiva. Todas as suas energias se voltam para neutralizar a
Lava-Jato. Objetivamente, joga suas esperanças nas tramas do núcleo resistente
do Supremo.
Essas duas forças, o sistema político partidário (nos
bastidores) e o núcleo do STF (na frente da cena) são os artífices da tentativa
de bloquear as mudanças no Brasil.
Nem sempre os políticos atuam apenas nos bastidores. De vez
em quando, como aconteceu agora, surge um projeto destinado a limitar
investigações e a tornar mais fácil a vida dos gestores corruptos.
Essa aliança de políticos que não dependem do voto de
opinião com ministros do STF engajados na defesa da impunidade, ou embriagados
nas suas teses generosas, é uma constelação difícil de ser batida.
Ela significa que ainda teremos dias difíceis pela frente. O
único grande problema para todos nós será o de manter a raiva popular dentro
dos limites pacíficos.
Tanto juízes como políticos envolvidos na sua teia de
interesses, míopes diante da realidade que os cerca, não hesitam em colocar em
risco a democracia.
Alguns são muito corajosos, outros apenas irresponsáveis.
Será difícil buscar o horizonte, se não resolvermos essa questão. Ela está
atravessada no futuro imediato do Brasil.
Artigo publicado no Jornal O Globo em, 21/04/2018
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