Há uma velha música regravada pelo Faith No More chamada
“Easy” (like Sunday morning). O easy, na canção, significa tranquilo, leve,
descontraído. Ao pé da letra, quer dizer fácil. Creio que os três deputados do
PT acharam que seria fácil, como a manhã de domingo, libertar Lula de sua
prisão em Curitiba. Acompanhei tudo a 12 mil quilômetros de distância,
incrédulo e bastante frio em relação ao desfecho. Cheguei a pensar que estava
ficando blasé, ou mesmo que tinha perdido contato com a realidade do país. Só
me desfiz do complexo de culpa quando soube que, no olho do furacão, Lula
pensava mais ou menos da mesma maneira: não vai ser fácil me tirar da prisão —
teria dito ele para seus deputados.
Mais tarde, minha sensação se confirmou no vídeo em que José
Dirceu comemorava a saída de Lula na cadeia. Ele estava tão emocionado quanto
estaríamos depois de uma vitória do Brasil contra o Panamá. Seu ar era muito
mais de travessura do que de vitória. Concluí, mesmo vendo tudo de tão longe,
que estávamos diante do que os russos chamam de provokatsiya, uma tentativa
contundente de colocar um tema na agenda, independentemente do resultado. Como
a imprensa, de todos os horizontes, precisa eletrizar sua plateia, mantê-la
colada ao desenrolar de um fato, só se falou nisso no domingo. E não foi por
acaso que alguns jornalistas estrangeiros compararam o fato a uma novela.
A origem disso está numa análise mais realista do PT,
segundo a qual seu grande líder só teria chance de ser libertado se houvesse
uma grande comoção popular. Isso não aconteceu nos primeiros meses. A própria
solidariedade internacional é minguante, quando não acontece nada no país. Isso
vale para prisioneiros em diferentes posições no espectro político. Faz um
abaixo-assinado, como de um defensor dos direitos humanos na Chechênia, mas com
o tempo só resta escrever: não podemos esquecer nosso preso, lembrem esse nome
etc. A vida continua, outros presos entram em cena, alguém faz greve de fome na
Crimeia, de novo a advertência: cuidado que pode morrer etc., mas ainda assim a
vida continua.
Diante desse quadro desolador para ele, o PT decidiu
arriscar um golpe de mão. Como na sua cabeça a Justiça é partidarizada, não
resta outra saída exceto usá-la quando um juiz amigo estiver de plantão. O
resultado, em termos eleitorais, foi ocupar o espaço de debate no fim de
semana. Candidatos, presos ou não, costumam comemorar a ocupação de espaço, sem
analisar o conteúdo. Seu nome fica na boca do povo. No entanto, ao escolher uma
tese de partidarismo na política, o PT deixou muitas pessoas com medo, não só
do que seria capaz, se voltasse ao governo. Mas com a possibilidade de cada
grande partido tirar um dos seus nos plantões de fim de semana. O Brasil seria
uma terra sem lei. No fundo, não aconteceu nada e o país discutiu esse não
acontecimento durante toda a semana. Ele ocupou o espaço pós-Copa do Mundo,
precisamente o espaço necessário para o início de um debate sério sobre os
rumos do país. Até o momento, uma parte substancial da esquerda está ausente
dele, porque se fixou na libertação de Lula.
O próprio PSOL, através de seu candidato Guilherme Boulos,
fez uma intervenção que sensibiliza quem está na Rússia. Disse que Moro saiu da
praia de tanguinha para manter a prisão de Lula. Não havia evidência de que
Moro estava na praia, muito menos que usava tanga. O que Boulos quis insinuar
com isso? Não é por acaso o candidato do partido que defende os gays? Não tem
um deputado gay no Congresso e um ícone na figura da vereadora assassinada do
Rio Marielle Franco?
Na vida política do Brasil, parece que tudo se derrete no
ar. E, no entanto, temos toda uma reconstrução pela frente.
Artigo publicado no Globo em 14/07/2018
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