Eleitores podem colocar a pedra lá em cima para vê-la, de
novo, rolar montanha abaixo.
Algumas coisas que deveriam estar juntas correm em dimensões
ainda diferentes no Brasil, realidades paralelas: o aumento do índice de
mortalidade infantil, como sintoma de decadência, e a campanha eleitoral no
Brasil. O desencontro da vida real com a política se deve também ao momento em
que campanha significa muito arranjo entre partidos, composições, definições de
tempo de TV, escolha de vices. É como se o jogo ainda estivesse sendo discutido
no vestiário, antes que saia para o campo aberto, diante da plateia.
Mas as notícias que vêm pelo túnel já nos dão matéria para
pensar. O famoso bloco parlamentar chamado Centrão é uma das referências do
quebra-cabeças. Esta semana, o Centrão decidiu apoiar Geraldo Alckmin. E o
mercado reagiu positivamente à notícia.
Uma aliança com o Centrão significa a continuidade do que
está aí: ocupação política dos cargos, troca de votos por verbas, enfim, um
roteiro que não é necessário relembrar.
O mercado, que aparentemente almejava mudanças, acabou se
conformando com a continuidade. Seria isso a manifestação de um senso comum?
Não sei bem o que seria um senso comum. Aliás, Leonardo da Vinci tem um belo
desenho de crânio em que apontou uma pequena cavidade onde seria o senso comum,
o espaço para onde convergem todas as sensações.
Transplantado da fantasia física de Da Vinci para o campo
social, o senso comum também poderia estar em outra manifestação: a das pessoas
que dão as costas para a política porque rejeitam seus sórdidos métodos. Estas
querem mudança, certamente, mas provocam a continuidade. O oposto do que
desejam.
A rigor, continuidade dificilmente haverá. Se o mesmo
esquema for mantido, as coisas vão piorar. O Congresso já armou uma bomba
fiscal que certamente tornará um novo presidente mais vulnerável.
A experiência recente do Congresso foi a de tratar com dois
presidentes fracos que precisavam dele para sobreviver no cargo. Dilma caiu,
mesmo tentando negociar. Temer teve êxito na negociação para escapar. A
correlação de forças entre presidente e Congresso foi alterada por essas
experiências recentes. E isso, é claro, vai repercutir no ano que vem. Não
importa o presidente vitorioso, de qualquer forma, ele terá de atravessar essa
barreira de troca de votos por cargos e verbas.
O mundo real continuará em perigosa decadência. Até gripe se
tornou mais letal, num país onde o sarampo reaparece.
Os custos de serviços públicos ineficazes foram sentidos em
2013 e expressos no desejo de ver o dinheiro dos impostos ser mais bem
empregado. O impacto da corrupção foi sentido a partir de 2015, com os
primeiros lances da Operação Lava Jato. Existe o perigo de que todo este
processo de tomada de consciência se sinta frustrado com o desenrolar de uma
eleição que pode prolongar a crise.
Impossível prever muitos lances à frente, no entanto
torna-se mais claro que, embora o foco se ache na eleição presidencial, é no
Congresso que se armam algumas bombas, inclusive a tentativa de acabar com a
Lava Jato.
Não vejo saídas brilhantes num cenário em que os partidos,
cheios da grana, vão permanecer no poder. Exceto uma atenção maior na eleição
para o Congresso e a tentativa de criar uma minoria que defenda a sociedade
deste mecanismo vampiresco.
Ainda assim, num tipo de luta como este, a minoria tende a
ser isolada e as vitórias se contam em desastres evitados, picaretagens
abortadas. O rumo, mesmo, é difícil de mudar.
Nem tudo é sombrio. Graças à Lava Jato, aumentou o risco nos
processos de corrupção. Nas composições políticas de agora dificilmente vai
entrar dinheiro vivo. É um avanço relativo, porque o rateio dos cargos públicos
pode se tornar uma máquina de fazer dinheiro.
Nesse raciocínio, algo que talvez pode ser útil é enfatizar
no debate a importância da relação presidente-Congresso e tentar liberá-la,
ainda que parcialmente, de seu caráter fisiológico.
Não é uma solução do tipo “seus problemas acabaram”, mas
cairia bem no Brasil o sistema francês: eleições parlamentares na semana
seguinte à eleição presidencial. O calendário fortalece uma aproximação
programática, a tendência dos eleitores é a de garantir maioria para seu
presidente eleito.
Isso nem sequer foi pensado numa reforma política, cujo
principal objetivo foi o de perpetuar as forças existentes com seus mecanismos
de poder. Duas tímidas exceções foram a adoção de uma cláusula de barreira e o
fim das coligações proporcionais.
O quadro descrito aqui não é um destino inexorável. Mas o
fato de que o Centrão negocia em bloco antes mesmo das eleições e está
preparado para exercer uma influência decisiva nos anos que seguem é
preocupante. Desde já, aparece como um dos nós a serem desatados.
Como o jogo está sendo discutido no vestiário, não veio
ainda a campo aberto e o grande público não se manifestou, ainda existe esta
variável da reação popular em aberto.
Mas algumas das regras foram escritas pelos próprios
jogadores: até mesmo a latitude dessa variável foi reduzida.
Restam apenas a crise e sua dolorosa pedagogia, sobretudo
quando se torna mais aguda. De um modo geral, atinge os mais vulneráveis, e o
sistema político, por meio de aumento de impostos e outros sacrifícios sociais,
tenta se manter incólume.
Caminhamos para o futuro com um modo de governar chamado
governo de coalizão que contém todos os vícios do passado. Como Sísifo, a
maioria dos eleitores brasileiros pode colocar a pedra lá em cima para vê-la,
de novo, rolar montanha abaixo.
Os filósofos discutem uma saída para essa maldição entre
suicídio e revolta. Em termos políticos, certamente haverá muitas nuances, mas
algum tipo de revolta é inevitável no horizonte.
A Venezuela está se derretendo e terá inflação de um milhão
por cento. Parece ficção, mas já aconteceu na Alemanha em 1923 e na Rodésia no
princípio do século.
Dominados por predadores, da esquerda ou da direita, os
países se tornam quase inviáveis.
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