Tive a oportunidade de conhecer as posições de alguns
candidatos à Presidência ao participar de uma sabatina. Tentarei um projeto,
como realizei nas eleições passadas, de entrevistar todos os outros,
independentemente da pontuação em pesquisa. De um ponto de vista jornalístico,
é interessante saber o que se passa na cabeça de alguém que decide ser
candidato num momento tão complicado no País. Mais do que ninguém, tenho
dúvidas sobre o futuro do próximo presidente, sobretudo a partir de uma quase
certeza de que a renovação do Congresso será modesta.
Minha visão da conjuntura recomenda algo que chamo,
brincando, de catastrofismo emancipatório, expressão que o sociólogo Ulrich
Beck usa diante das mudanças climáticas. Isso significa deixar de apenas falar
do desastre, mas encarar a situação com a clareza de que o dilema é cooperar ou
morrer.
Creio que a esquerda também conta com uma grande crise
adiante. Mas ela se fragmentou e parece ter se resignado a perder as eleições e
ressurgir adiante como alternativa. Se for isso mesmo, é um equívoco. Não creio
que uma próxima crise possa ser vista como um movimento de gangorra que alterne
forças esgotadas do sistema político-partidário. Um período PSDB, outro período
PT, como se a sucessão no poder fosse natural como o ritmo das estações de ano.
Para mim, vivemos uma ofensiva das forças tradicionais
semelhante, em muitos aspectos, à que houve nos EUA. No Brasil, esse movimento
vem de longe. A esquerda cultural sempre foi dominante. Mas, quando ela passa a
ser também a cultura do governo, a contestação de suas ideias ganhou muito mais
força. Isso porque a maioria no Brasil – acho eu com minha experiência de lutas
minoritárias – é conservadora. Nem sempre o aval que ela dá para dirigir o País
se estende a questões de comportamento. É um pouco como política externa. Você
faz a política do país, e não a do partido vencedor.
Isso não significa conformar-se a uma situação estática. É
possível em debates pacíficos encontrar soluções razoáveis.
Toco neste tema cultural por duas razões. A primeira, porque
não é o mais importante quando se constata que a democracia brasileira está em
risco. Em seguida, porque no fundo sou muito cético a respeito do poder da
política sobre estes temas diante do impacto do avanço do capitalismo, da
interconexão do mundo, do avanço tecnológico.
Um ponto central em que a política importa muito é na
escolha do sistema educacional. Nesse campo, questionei Bolsonaro sobre seu
projeto de escolas militarizadas. E certamente questionarei a esquerda sobre o
método Paulo Freire. Mas isso é apenas um aspecto que pode evoluir para uma discussão
mais ampla e, quem sabe, um quase consenso para seguir adiante.
É um lugar comum responder educação quando se pergunta por
um grande problema no Brasil. E os candidatos respondem também com a mesma
ênfase. No entanto, ela ainda não foi discutida com muita clareza e o tempo é
muito curto.
Por que essa necessidade enfatizar programas diante de uma
previsível crise que pode congelar as melhores expectativas? Porque programa é
uma destas coisas que podem sobreviver à crise, como um elemento da nova fase.
O problema da segurança pública é outro que merece um
esforço de cooperação. O próximo presidente tem de saber o que fazer, pelo
menos um pouco mais que os anteriores, que subestimaram o tema.
Mas tudo isso se faz à sombra de uma dificuldade maior: as
relações do eleito com o Congresso, algum tipo de reforma política.
É difícil de reformar uma estrutura entrincheirada, na qual
a maioria quer manter os velhos vínculos franciscanos do toma cá, dá lá. Às
vezes penso que uma solução francesa poderia ajudar. Consiste em separar as
eleições presidenciais das parlamentares. Depois de eleger um presidente, a
maioria teria a chance de dotá-lo de uma grande bancada de apoio.
Uma solução mais audaciosa seria escolher de uma vez o
parlamentarismo. Traria a vantagem de resolver mais rápido as inevitáveis
crises, e talvez por meio de sucessivas quedas de gabinetes pudesse surgir um
senso de responsabilidade inexistente hoje.
Tenho apenas intuições. Mas é um problema que marcará a
próxima Presidência. Os partidos conseguiram, por meio do dinheiro público, um
passaporte para manter seu velho jogo. Naturalmente, vão clamar pela
legitimidade do voto conseguido em circunstâncias desiguais.
Mais influenciável que o governo, o Congresso pode ser
controlado também por pressão popular. Alguns desastres foram evitados assim.
Nem todos. Em alguns momentos, decidem enfrentar a opinião pública, sobretudo
quando seus interesses diretos estão em jogo.
A única possibilidade no horizonte seria uma pressão
conjugada do eleito e da opinião pública. Ainda assim, isso demandaria uma
grande sensibilidade para avançar sem romper.
Todo este cenário é envolvido numa situação econômica grave,
com demandas sociais crescentes.
É com este olhar preocupado que sigo os candidatos à
Presidência. Qualquer um deles vai enfrentar o problema. Quem achar que pode ir
tocando o barco sem mudanças pode desembocar numa crise mais grave.
E quem achar que tira proveito dela para voltar ao poder vai
se perder mais no caminho.
Talvez marcado pelas próprias experiências, um quadro de
profunda crise, esquerda fragmentada e direita em ascensão me parece complicado
demais para leituras equivocadas.
A viagem à Rússia reforçou em mim a ideia de que outras
variáveis, às vezes, conseguem neutralizar nas pessoas os anseios por
democracia. As pesquisas na América Latina já indicam um crescimento dos que a
dispensariam na vida política de seu país.
É um momento distinto da alegria das Diretas Já. O processo
político-partidário se degradou, afastou-se da sociedade. O segredo é não jogar
fora o bebê com a água do banho. E, se possível, reanimá-lo.
Artigo publicado no Estadão em 10/08/2018
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