segunda-feira, 22 de outubro de 2018

UM PAÍS COM LICENÇA PARA ODIAR

Do EL PAÍS

Há um fértil campo de estudo no Brasil para psicólogos cognitivos. Uma parte importante da população votará no próximo dia 28 sob a crença de que estará evitando que seu país se transforme em uma Venezuela. Para impedir isso, esses eleitores planejam entregar o poder a um ex-militar que, em quase 30 anos de carreira política, proferiu centenas de frases de desprezo pelas normas, costumes e valores da democracia. Esse é o homem, Jair Bolsonaro, chamado para salvar o Brasil das garras bolivarianas do Partido dos Trabalhadores (PT), que governou entre 2003 e 2016, sem que ninguém percebesse que o país estava se tornando uma Venezuela.

Como tantas vezes na história, o autoritarismo avança impulsionado por uma corrente popular na qual três grupos convergem: os convencidos, os oportunistas e os indiferentes. O núcleo original de convencidos é engrossado pelos nostálgicos da ditadura militar e fiéis ao culto da violência incrustado na medula do país. Com o descontentamento social no último mandato do PT, surgiram movimentos que alimentaram, especialmente nas redes sociais, um direitismo cada vez mais radical. Depois, aliaram-se os fanáticos religiosos, em guerra contra Sodoma e Gomorra. Em apenas alguns meses, o alcance se multiplicou a milhões de pessoas enfurecidas pela corrupção generalizada, pelo desaquecimento econômico e pelo crime cotidiano, e que compraram a promessa de uma mão firme.

Os oportunistas continuam fluindo em ondas sucessivas. Depois do mundo endinheirado, agora são os políticos de centro-direita -- e alguns de centro-esquerda -- que, desde o triunfo do candidato ultradireitista no primeiro turno, estão correndo para socorrer o vencedor. O grupo dos indiferentes teve uma base de apoio mais sutil, porém decisiva. Poucas coisas favoreceram tanto o ex-capitão de paraquedistas do que o relato -- predominante, por exemplo, nos meios de comunicação -- de que dois extremos estão disputando as eleições: direita e esquerda. Oportunistas e indiferentes compartilham sua surdez diante dos discursos e atitudes de Bolsonaro. Como na campanha o candidato reprimiu suas explosões, se tranquilizam pensando que estamos diante de um fanfarrão que se acalmará quando chegar ao poder.

O candidato também pediu aos seus seguidores que parassem com os atos violentos. E parece que o ouviram. Nos dias seguintes à sua vitória no primeiro turno, várias notícias relatavam dezenas de ataques de valentões simpatizantes do ultradireitista: um eleitor do PT assassinado, insultos e espancamentos de gays e lésbicas ou uma suástica tatuada no corpo de uma garota. Aconteça o que acontecer no próximo dia 28, o sucesso de Bolsonaro já concedeu uma licença para odiar entre os brasileiros. Não será mais necessário subir no trem do horror que seus seguidores passeiam nas redes sociais e ler o que dizem sobre os negros, feministas e homossexuais.

Se Bolsonaro conquistar a presidência, há motivos para temer que alguns levem essa licença longe demais. No país em que 57 ativistas ambientais foram assassinados no ano passado, o líder de extrema direita anunciou, depois do primeiro turno, que um dos seus principais objetivos é "acabar com qualquer tipo de ativismo". Em um país onde 5.000 civis são mortos a cada ano por tiros disparados pelas forças de segurança, Bolsonaro proclama que "o policial que não mata não é policial". Esse país de quase 210 milhões de habitantes, onde em 2017 houve 445 mortes em ataques contra homossexuais, pode ter em poucos dias um presidente com licença para a homofobia. E atrás dele, uma multidão de legionários do ódio.
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