Editorial O Estado de S.Paulo
A proposta de reforma das aposentadorias nas Forças Armadas que o presidente Jair Bolsonaro levou ao Congresso anteontem contrastou com sua afirmação, feita no mesmo dia, de que a mudança das regras previdenciárias seria o “centro de gravidade do nosso governo”. Mais uma vez, o chefe do Executivo federal deu mostras de não captar a relevância para as contas públicas de uma consistente reforma da Previdência.
Segundo a estimativa oficial, a proposta apresentada pelo Palácio do Planalto vai gerar, ao longo de dez anos, uma economia de R$ 10,45 bilhões, valor insignificante ante o atual desequilíbrio fiscal. Pelo que se viu, o presidente Jair Bolsonaro quis poupar os militares de uma participação mais efetiva no esforço pelo ajuste. Com isso, mitigou o principal discurso em prol da “Nova Previdência”, de que ela não privilegiaria nenhuma categoria profissional.
A economia de R$ 10,45 bilhões é consequência da decisão do governo de unir, numa só proposta, a reforma das aposentadorias dos militares e uma reestruturação das carreiras nas Forças Armadas. Sem a reestruturação, a economia seria de R$ 97,3 bilhões ao longo dos próximos dez anos. No entanto, a reestruturação das carreiras gera um custo adicional de R$ 86,85 bilhões. Daí o resultado pífio.
Não se questiona a necessidade de uma reestruturação das carreiras militares. Do mesmo modo, pode ser muito oportuno organizar e modernizar outras tantas carreiras públicas. O problema está em vincular a reestruturação das carreiras militares à reforma da Previdência. São assuntos diversos, com tempos e graus de prioridade muito distintos. A mudança das regras previdenciárias tem um caráter absolutamente prioritário, e a decisão do governo Bolsonaro de unir a Previdência com a reestruturação pode trazer ainda mais dificuldades para um tema que, por si só, não é dos mais simples.
Além de mitigar enormemente o impacto fiscal da reforma das aposentadorias nas Forças Armadas – de R$ 97,3 bilhões para R$ 10,45 bilhões –, a apresentação conjunta das propostas preocupa especialmente por dois motivos. Reforça-se a impressão de que o presidente Jair Bolsonaro não se deu conta da complexidade de aprovar no Congresso uma reforma da Previdência. Caso contrário, não teria feito nenhum movimento que pudesse atrasar a tramitação da reforma.
O segundo motivo é ainda mais grave. Ao aliviar o sacrifício exigido para os militares – a proposta de reestruturação das carreiras militares inclui reajuste de soldos e aumento de gratificações –, o presidente Jair Bolsonaro corrobora sua resistência para assumir decisões impopulares, que possam contrariar determinados interesses de seus apoiadores.
A proposta de reforma da Previdência das Forças Armadas era uma ocasião excelente para o presidente Jair Bolsonaro mostrar que, abandonando a lógica de campanha eleitoral, está disposto a não se deter em possíveis reações contrárias de uma parcela do eleitorado e tomar decisões corajosas em prol do interesse público. No entanto, a proposta que apresentou ao Congresso anteontem foi o inverso disso.
Governar com responsabilidade exige eleger prioridades – e a prioridade deve ser de fato a aprovação da reforma da Previdência. Não é o momento de propor ao Congresso um debate sobre reestruturação das carreiras militares. Ao mesmo tempo, governar com responsabilidade envolve necessariamente desagradar a determinados setores. O critério fundamental é o interesse público. No atual momento do País, é acintoso propor que os parlamentares estudem eventual aumento de gratificação para militares como forma de compensar o endurecimento das regras previdenciárias.
Ignorar as especificidades da carreira militar seria um grande equívoco da parte do governo federal, com prejuízos não apenas para os integrantes das Forças Armadas, mas para todo o País. Precisamente por isso não era hora de envolver reestruturação da carreira na discussão da reforma da Previdência.
sexta-feira, 22 de março de 2019
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