Dois ministros de tribunais superiores avaliaram ontem que
as conversas entre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol não
deveriam ocorrer da forma como ocorreram, mas ao mesmo tempo um deles disse que
dificilmente o julgamento do ex-presidente Lula será revertido. Um dos
militares com cargo no atual governo admitiu que “bom não é”, ao se referir aos
diálogos já divulgados pelo site “Intercept Brasil”. A ordem no Planalto é de
ser o mais cuidadoso possível em qualquer declaração sobre o assunto, mas o
clima é de constrangimento.
Um dos ministros acha que há nos diálogos “uma clara
violação à lei” brasileira que veda a proximidade entre o juiz e as partes
para evitar “combinações”. Outro acrescentou que no Judiciário é fundamental a
“publicidade e a transparência”. Em países como Portugal, por exemplo, existe a
figura do “juiz de instrução”, que trabalha com as partes para a consolidação
das provas. Mas exatamente por causa desse envolvimento ele não julga a causa.
No Brasil, essa ideia de um juiz de instrução chegou a ser pensada, mas nunca
foi aprovada.
Há uma ação em que os advogados do expresidente arguiram a
suspeição do ex-juiz Sérgio Moro depois que ele aceitou o convite para ser
ministro do governo Bolsonaro. A 2ª Turma analisou, o ministro Edson Fachin
iria indeferir, mas o ministro Gilmar Mendes pediu vista. Está parado desde
dezembro. A questão é, diante dos fatos que foram revelados, isso poderia
mudar?
— Não acredito. Isso é quase impossível. Para nós o fato
consumado tem uma força muito grande. São processos julgados, são processos
instruídos. Dificilmente um órgão julgador vai reverter esse quadro. No caso
dele, chegou ao Superior Tribunal de Justiça, voltar à estaca zero é muito
difícil — disse um desses integrantes de tribunais superiores ouvidos ontem
pela coluna.
O que se diz no Planalto é que houve um crime praticado por
quem hackeou os aparelhos celulares e os aplicativos de mensagens do ex-juiz e
dos procuradores. E que agora é preciso aguardar um pouco mais para se entender
o contexto e todos os eventos relacionados com o fato.
O ex-juiz Moro e o coordenador da Força Tarefa não deveriam
ter trocado informações fora dos autos e das conversas protocolares. Mas é
difícil, diante de tantas evidências, achar que tudo o que houve na Lava-Jato
durante cinco anos foi fruto de um conluio e apenas com o intuito de evitar uma
candidatura. É incontornável o fato de que a operação tem revelado um volume
exorbitante de atos de corrupção de políticos de diversos partidos, de
empresários réus confessos, de operadores vindos do mundo das sombras.
Há números que falam por si. De 2014 até 20 de maio deste
ano, a Lava-Jato havia condenado 159 pessoas, das mais de 400 acusadas, a 2.249
anos de pena por crimes como corrupção e lavagem de ativos. Foram 184 acordos
de colaboração premiada. Outros 11 acordos foram de leniência. Bilhões foram
recuperados. A ação que começou em Curitiba se espalhou pelo país e produziu
uma enorme operação no Rio, e desdobramentos em Brasília e em São Paulo, com
outros procuradores e outros juízes. Foram atingidos políticos de diversos
partidos, alguns adversários entre si.
O procurador Dallagnol, no vídeo que divulgou ontem, contou
que 54 pessoas acusadas pela Força-Tarefa foram absolvidas por Moro, o
Ministério Público recorreu de centenas de decisões do ex-juiz. “Isso mostra
que o Ministério Público não se submeteu ao entendimento da Justiça e que o
juiz não acolheu o que o Ministério Público queria”. Mas não faz sentido
explicar o que houve de estranho nas conversas entre ele e Moro com o argumento
de um ataque à Lava-Jato.
Na verdade, a Lava-Jato desde o início vive o temor da
conspiração contra ela. E várias vezes, teve razão, como ficou claro no desejo
do governo do ex-presidente Temer de “estancar a sangria” ou de “manter isso
aí”. Contudo, o pior ataque que ela sofreu vem dela mesma. No momento em que o
ex-juiz Sérgio Moro deixou a 13ª Vara Federal para ir para o governo Bolsonaro,
ele fragilizou a operação. Os diálogos divulgados agora são outra razão do
enfraquecimento. Para avançar será preciso estar cada vez mais longe da briga
político-partidária brasileira. O inimigo é a corrupção e não um partido. Quem
pensou diferente disso, errou.
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