segunda-feira, 19 de agosto de 2019

A CAMINHO DA BARBÁRIE

Nabil Bonduki, Folha de S.Paulo
A caminho da barbárie, Bolsonaro aposta na indústria de acidentes e mortes
A determinação do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de suspender o uso de radares estáticos, móveis e portáteis nas rodovias federais, que vigora a partir desta segunda (19), deverá aumentar os acidentes e mortes nas estradas. Segundo o Diário Oficial da União, a decisão visa "evitar o desvirtuamento do caráter pedagógico e a utilização meramente arrecadatória dos instrumentos e equipamentos medidores de velocidade".
A questão é muito séria, e é uma irresponsabilidade ser tratada de forma ideológica e demagógica, como faz o presidente. Criticar a chamada “indústria das multas” tem sido um apelo frequente dos políticos populistas defensores do “politicamente incorreto” para ganhar apoio eleitoral e popularidade entre motoristas que descumprem as normas.
Essa visão “negacionista” tem se proliferado apesar dos estudos mostrarem que um maior rigor nas normas de trânsito, seguindo uma tendência adotada pelos países mais avançados, tem gerado grande redução nos acidentes.
No Brasil, entre 2011 e 2017, apesar do aumento da frota, o número de mortos no trânsito caiu 20,85% (de 43.256 para 34.236 mortes), segundo o Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde. Ainda assim, ocorre uma morte a cada 15 minutos. Nos últimos 12 anos, o trânsito matou cerca de 500 mil pessoas e feriu mais 1,5 milhão.
Além do drama familiar, a situação gera despesas bilionárias para a saúde pública e para a Previdência social. Em 2018, cerca de 320 mil indenizações foram pagas pelo DPVAT, segundo a seguradora Líder, responsável pelo seguro, sendo que 70% foram vítimas com algum tipo de invalidez permanente.
Ao invés de o governo buscar soluções para reduzir esses números ainda tão preocupantes, que colocam o Brasil no 5º lugar entre os países com maior número de vítimas, Bolsonaro parece estar empenhado em elevá-los. Levantamento feito pela Folha mostrou que os trechos de rodovias federais que receberam radares de velocidade tiveram uma redução nas mortes e nos acidentes de respectivamente de 22% e 15%.
Os radares estáticos, móveis e portáteis geram maior obediência aos limites de velocidade estabelecidos ao longo de todo o percurso, sendo mais eficientes e garantindo maior segurança que os radares fixos, que são instalados em locais conhecidos e anunciados das estradas, identificados pelos aplicativos. Apenas eles, por exemplo, podem fiscalizar velocidades abusivas, as que mais geram acidentes, nos trechos situados entre os locais onde os radares fixos estão alocados.
O discurso da indústria da multa se baseia na existência de supostas “pegadinhas”, ou seja, excesso de variação nos limites de velocidade em rodovias. Embora possa haver equívocos nessa oscilação, ela é determinada por critérios técnicos para garantir maior segurança em situações específicas, como travessia de pedestres, curvas acentuadas, estreitamento de pistas, cruzamento de zonas urbanas e outras condições que exigem velocidades mais baixas.
Se existem equívocos, ajustes poderiam ser feitos a partir de estudos consistentes, a serem realizados pelos órgãos competentes. Infelizmente, o presidente insiste em desqualificar e atacar a técnica, a ciência e o bom senso, por ele chamados de “politicamente correto”.
Por outro lado, a arrecadação das multas, que não nada tem a ver com carga tributária, deveria ser aplicada em iniciativas para melhorar a segurança no trânsito. Cabe ao governo dar um destino correto para esse dinheiro, como, entre outros, campanhas educativas e publicitárias, melhoria na sinalização e proteção à mobilidade ativa (bicicletas e pedestres).
Cabe ao Judiciário e ao Congresso Nacional rechaçar essa esdrúxula determinação presidencial. Para isso, eles contam com o apoio expressivo na população: 67% dos brasileiros e 52% dos próprios eleitores de Bolsonaro são contra o fim dos radares, segundo o Datafolha.
Ao afrouxar o controle de velocidade, assim como faz com o desmatamento ilegal, com os abusos policiais e com o trabalho escravo, o presidente vem estimulando a ideia de que “liberou geral”, que o país pode retroceder aos tempos de barbárie com apoio governamental.
Nabil Bonduki
Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.
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