A caminho da barbárie, Bolsonaro aposta na indústria de
acidentes e mortes
A determinação do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de suspender
o uso de radares estáticos, móveis e portáteis nas rodovias federais, que
vigora a partir desta segunda (19), deverá aumentar os acidentes e mortes nas
estradas. Segundo o Diário Oficial da União, a decisão visa "evitar o
desvirtuamento do caráter pedagógico e a utilização meramente arrecadatória dos
instrumentos e equipamentos medidores de velocidade".
A questão é muito séria, e é uma irresponsabilidade ser
tratada de forma ideológica e demagógica, como faz o presidente.
Criticar a chamada “indústria
das multas” tem sido um apelo frequente dos políticos populistas
defensores do “politicamente incorreto” para ganhar
apoio eleitoral e popularidade entre motoristas que descumprem as
normas.
Essa visão “negacionista” tem se proliferado apesar dos
estudos mostrarem que um maior rigor nas normas de trânsito, seguindo uma
tendência adotada pelos países mais avançados, tem gerado grande redução nos
acidentes.
No Brasil, entre 2011 e 2017, apesar do aumento da frota, o
número de mortos no trânsito caiu 20,85% (de 43.256 para 34.236 mortes),
segundo o Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde. Ainda
assim, ocorre uma morte a cada 15 minutos. Nos últimos 12 anos, o trânsito
matou cerca de 500 mil pessoas e feriu mais 1,5 milhão.
Além do drama familiar, a situação gera despesas bilionárias
para a saúde pública e para a Previdência social. Em 2018, cerca de 320 mil
indenizações foram pagas pelo DPVAT, segundo a seguradora Líder, responsável
pelo seguro, sendo que 70% foram vítimas com algum tipo de invalidez
permanente.
Ao invés de o governo buscar soluções para reduzir esses
números ainda tão preocupantes, que colocam o Brasil no 5º lugar entre os
países com maior número de vítimas, Bolsonaro parece estar empenhado em
elevá-los. Levantamento feito pela Folha mostrou que os
trechos de rodovias federais que receberam radares de velocidade tiveram
uma redução nas mortes e nos acidentes de respectivamente de 22% e 15%.
Os radares estáticos, móveis e portáteis geram maior
obediência aos limites de velocidade estabelecidos ao longo de todo o percurso,
sendo mais eficientes e garantindo maior segurança que os radares fixos, que
são instalados em locais conhecidos e anunciados das estradas, identificados
pelos aplicativos. Apenas eles, por exemplo, podem fiscalizar velocidades
abusivas, as que mais geram acidentes, nos trechos situados entre os locais
onde os radares fixos estão alocados.
O discurso da indústria da multa se baseia na existência de
supostas “pegadinhas”, ou seja, excesso de variação nos limites de velocidade
em rodovias. Embora possa haver equívocos nessa oscilação, ela é determinada
por critérios técnicos para garantir maior segurança em situações específicas,
como travessia de pedestres, curvas acentuadas, estreitamento de pistas,
cruzamento de zonas urbanas e outras condições que exigem velocidades mais
baixas.
Se existem equívocos, ajustes poderiam ser feitos a
partir de estudos consistentes, a serem realizados pelos órgãos competentes.
Infelizmente, o presidente insiste em desqualificar
e atacar a técnica, a ciência e o bom senso, por ele chamados de
“politicamente correto”.
Por outro lado, a arrecadação das multas, que não nada tem a
ver com carga tributária, deveria ser aplicada em iniciativas para melhorar a
segurança no trânsito. Cabe ao governo dar um destino correto para esse
dinheiro, como, entre outros, campanhas educativas e publicitárias, melhoria na
sinalização e proteção à mobilidade ativa (bicicletas e pedestres).
Cabe ao Judiciário e ao Congresso Nacional rechaçar essa
esdrúxula determinação presidencial. Para isso, eles contam com o apoio
expressivo na população: 67%
dos brasileiros e 52% dos próprios eleitores de Bolsonaro são contra o fim dos
radares, segundo o Datafolha.
Ao afrouxar o controle de velocidade, assim como faz com o
desmatamento ilegal, com os abusos policiais e com o trabalho escravo, o
presidente vem estimulando a ideia de que “liberou geral”, que o país pode
retroceder aos tempos de barbárie com apoio governamental.
Nabil Bonduki
Professor da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de
Cultura de São Paulo.
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