Ao dar de presente uma disneylândia customizada para o seu
terceiro filho, enviando aos Estados Unidos como embaixador quem por lá passou
como autodeclarado hamburgueiro, o presidente Jair Bolsonaro está promovendo a
volta por cima de um ente querido e dando consequência a um capricho. O da transgressão
deliberada à ética, à carreira diplomática e à condução da política externa de
um país da importância do Brasil. Isso, no entanto, não tira pedaço, por
enquanto.
Pois a tarefa de manter as relações políticas e comerciais
funcionando em alto nível, entre o Brasil e os Estados Unidos, não tem nada a
ver com a configuração desse modelo de representação pessoal do presidente do
país no exterior. Lateralmente, e fora dos holofotes, terá que funcionar uma
força tarefa profissional para representar o país e levar a cabo a empreitada.
Diplomatas de carreira foram preteridos, mas podem agora atuar como
conselheiros e secretários convocados a agir.
Há vários à disposição, inclusive autênticos representantes
da direita internacional que o novo candidato a embaixador preza.
São todos da mesma estirpe. O príncipe pode ficar em
usufruto do trono mas com retaguarda garantida. Sua presença, bem como a
alegada amizade entre as famílias presidenciais, a admiração e o deslumbramento
que o presidente brasileiro nutre por Donald Trump, a quem imita até no
caminhar, estão distantes dos compromissos, sucessos ou fracassos da jornada
diplomática.
O que haverá ali, se for aprovado o candidato, e deve ser
pois não há nada mais “fake” do que as sabatinas do Senado, é uma convivência
que se exercitará porque a confluência dos astros eleitorais colocou as duas
luas alinhadas no período. Mas, a cada um, a sua vocação. Passado o fenômeno,
cessa o fato. Criou-se uma situação artificial: se Trump não for reeleito, fica
o embaixador brasileiro e o pai presidente com a missão de se reciclarem
politicamente com rapidez. Também, se a proximidade deixar de ser necessária
para Donald Trump, o espetáculo se desmanchará a olho nu.
Não são almas gêmeas cujos destinos estão amarrados: Trump
tem partido, para começar, e um país, com tudo resolvido, para governar.
Bolsonaro tem uma devastação á sua frente e nenhuma condição objetiva, nem
mesmo vontade, de reconstituir o cenário.
Porém, enquanto as crianças descem a montanha russa e
praticam o tiro, Trump joga War em um tabuleiro do tamanho do mundo. Os
profissionais precisam atuar para não deixar o Brasil distrair-se, inebriado
pelo status, e começar assim a perder vantagens que já conquistou.
Não é de agora a boa relação pessoal entre dirigentes dos
dois países. É uma aproximação ideológica e de simpatia que se repete. Luiz
Inácio Lula da Silva já foi “o cara” para um presidente americano; Fernando
Henrique Cardoso foi comensal de Camp David de outro e, por seu intermédio,
afagado em Downing Street.
O Brasil tem charme. Mas o que existe mesmo é a preocupação
do governo americano de não perder completamente o controle sobre as decisões
desse país de visceral para sua geopolítica.
O secretário de Comércio Wilbur Ross fez, semana passada,
uma viagem de imersão empresarial ao Brasil, em clara aragem do terreno para os
Bolsonaro. Vazou algumas sensações, não mais que isso.
Não existe acordo comercial em negociação, insinuado por
ele. O que Ross deixou transparecer foi a preocupação do governo americano com
o acordo do Mercosul com a União Europeia, firmado depois de 20 anos de
negociação. Os Estados Unidos têm acordo com muitos países da América do Sul,
menos com o Mercosul, e o Brasil tem 50% desse mercado.
O Brasil quer, claro, o acordo com os Estados Unidos, mas
precisa preparar sua economia. E nada sai antes de cinco anos, portanto, o
horizonte é de mais de um governo, mesmo que comece a negociar agora.
Há, ainda, entre os interesses imediatos, a preocupação com
a Venezuela e o não alinhamento da política do Brasil aos Estados Unidos,
agravado pelo apoio da China a Maduro. Há, também, o interesse e a preocupação
dos Estados Unidos em não perder a guerra tecnológica para a qual mapeia sua
força no mundo.
As relações políticas e comerciais precisam ser conduzidas
por profissionais. Se a relação pessoal for fugaz, por perda de posto ou de
gosto, os países permanecem íntegros.
Atenção redobrada, porém, porque o presidente americano está
acostumado a se deixar adular sem retribuição. A lembrança da “relação carnal”
com os Estados Unidos instituída pelo governo Carlos Menem, na Argentina, não
pode inspirar a diplomacia brasileira, ao contrário. É risco garantido.
O Brasil, é fato, entregou mais do que recebeu dos EUA desde
a chegada de Bolsonaro ao poder. Houve liberalização unilateral de vistos, cota
ampliada das toneladas para o trigo, pleito antigo, entre outras facilidades de
comércio. Alinhou-se aos americanos em fóruns multilaterais sobre temas de
costumes – ambos os presidentes são “terrivelmente” conservadores nesse
quesito.
Os americanos, que nunca entenderam bem porque o Brasil
queria tanto entrar numa instituição com a qual não gastam adrenalina, a OCDE,
acabaram por dar o apoio, mas o preço foi alto, exigiram em troca a perda do
status de tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento na
OMC. Isso sim, uma vantagem entregue na bacia das almas.
Fora o fato, notório, de que Trump, aculturado no meio
empresarial do jogo bruto, parece não ter grande admiração por aduladores que
cedem com facilidade. Os que o conhecem de perto destacam: ele pode não gostar
de Kim Jong Un (Coreia do Norte), mas já disse várias vezes que o respeita.
Esperar para ver até quando suportará uma relação governamental melíflua. Trump
não quer se mostrar isolado, e não está, mas custa a crer que contará Bolsonaro
na sua companhia.
Quem será a força dominante do século 21? Quem dominará a
tecnologia 5G? Quem dará o lance definitivo na OMC? São questões que permearam
a visita de Ross. A China está no calcanhar dos Estados Unidos e já faz a
ultrapassagem em assuntos do futuro que se jogam agora. O Brasil não é
desprezível nesse jogo, mas precisa se levar a sério para pedir respeito.
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