Narciso acha feio o que não é espelho. Por isso, faz troça
do perímetro cefálico dos nordestinos, entende que gerar uma menina é para os
fracos, insiste na pilhéria surrada, anacrônica e desrespeitosa ao se referir a
homossexuais e considera normal agir como um réprobo no arremesso à honra de
uma pessoa que perdeu o pai — de maneira cruel – ainda bebê. Narciso é tão
narciso mas tão narciso que ombreia-se ao mais narcisista dos personagens de
desenho animado, quando resolve confrontar quem o critica, não com pouca razão,
por dever de ofício.
Psicanalistas renomados recorrem ao conceito de “narcisismo
das pequenas diferenças”, de Sigmund Freud, para entendê-lo. Segundo Freud, a
agressividade é uma espécie de expressão narcísica do ego. Quem, no dia a dia,
a desencoraja é a civilização, sob a forma da lei. Aqueles que fazem um hábito
da agressão despudorada e sem freios agem, em geral, com o beneplácito de
grandes grupos, que recorrem a pequenas diferenças em relação ao outro para
justificar o flerte com a selvageria e a bestialidade.
Devido à autoestima na estratosfera, narcisos possuem
dificuldades de reconhecer falhas e, assim, não buscam maneiras de melhorar.
Não reconhecem limites pessoais. Anseiam validação constante e digerem
extremamente mal as críticas. Não raro, se comportam como crianças de quatro
anos: tudo gira em torno deles. Pior para os que por eles são governados.
O Narciso da vez não é, obviamente, filho único da nossa
República. O exato oposto, conhecido pelas piadas com os naturais de Pelotas
(RS), chegou a comparar-se a Jesus Cristo. Recentemente, deixou de ser “humano”
para virar uma “ideia”. A sucessora nem se fala: era conhecida no Planalto pela
agressividade narcísica com que tratava seus subordinados. Analistas também
costumavam discorrer sobre a exigência egoica de ser admirado do “príncipe dos
sociólogos”. Em livro de memórias, sacou o Eclesiastes: ‘vanitas vanitatum et
omnia vanitas’ (vaidade das vaidades e tudo é vaidade).
Para o nosso azar, um alto grau de narcisismo é bastante
usual entre os líderes políticos. Pode ser considerada uma moléstia
ocupacional, especialmente para os que devem o seu poder às influências sobre
grandes massas. “Ele precisa de sucesso e aplausos para satisfação do seu
próprio equilíbrio mental. A ideia de grandeza e infalibilidade é baseada em
sua grandiosidade narcisista e não nas realizações efetivas como ser humano”,
diz Erich Fromm, um psicanalista freudiano não ortodoxo.
Na mitologia grega, o jovem Narciso viu seu reflexo na água
e passou tanto tempo enamorado dele que se isolou do resto do mundo.
Finalmente, afogou-se tentando abraçar a própria imagem. Esse é (sempre) o
perigo.
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