Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
Quem brinca com fogo pode se queimar, além de incendiar a Amazônia. O presidente Jair Bolsonaro tanto fez que acabou atraindo a ira do mundo desenvolvido, jogando o Brasil no centro do debate no G7, provocando protestos mundo afora e ressuscitando os panelaços da era Dilma Rousseff. Nessa toada, ele pode virar o maior cabo eleitoral da volta das esquerdas, inclusive do combalido PT e até do presidiário Lula.
Vocês já notaram que o pau está quebrando, mas o PT e as esquerdas adotaram um silêncio ensurdecedor? Bolsonaro defende torturador, desmatador, trabalho infantil, mas não há reação à altura da oposição, que, contundida, decidiu jogar parada, assim: deixa o cara se queimar sozinho que a gente volta depois.
No discurso do governo, só as queimadas na Amazônia, que simplesmente acontecem todos os anos, desde sempre, não justificam protestos, panelaços, críticas da mídia e de cientistas e reações de França, Alemanha, Noruega, Finlândia. Pois o governo tem razão.
Essas reações não são pontuais, só pelas queimadas. Elas são uma resposta a um ataque incessante do governo e do próprio Bolsonaro aos parceiros, ao meio ambiente, aos órgãos do setor e aos ambientalistas. Isso vem desde a campanha, com a história de tirar o Brasil do Acordo de Paris.
Já empossado, Bolsonaro deu pelo menos dois sinais verdes para crimes ambientais. O Ibama não só cancelou a multa contra ele por pesca ilegal em área protegida como puniu o fiscal que aplicara a lei. E, em 13 de abril, o presidente gravou um vídeo pela internet proibindo a destruição de tratores e caminhões usados para desmatar ilegalmente a Amazônia.
Pela lei, eles podem ser destruídos, sim, se houver perigo contra agentes do Estado e se o custo para a guarda e transporte for excessivo, o que ocorre, claro, em locais distantes, em meio a florestas fechadas. Logo, o presidente mandou descumprir a lei ao vivo e em cores. Como isso soou? Como uma licença para o crime. Os desmatadores devem ter comemorado à beça.
O mesmo ocorre nessa guerra com a França. Sair do acordo de Paris e esfregar uma live cortando o cabelo após alegar “problemas de agenda” para não receber o chanceler francês é um gesto infantil e uma agressão grosseira a um país amigo. E o que dizer do indicado para embaixador em Washington xingando o presidente francês de “idiota”? Para que serve esse nível de beligerância? O que o Brasil ganha com isso?
Com as labaredas torrando a Amazônia e a imagem do Brasil no mundo, finalmente Bolsonaro mudou o tom, foi à televisão sem agredir nada e ninguém e tomou duas providências: uma, interna, chamando o Exército para apagar o incêndio; a outra, externa, telefonando para Trump, o espanhol Pedro Sánchez e o japonês Shinzo Abe, além de distribuir uma cartilha sobre a política ambiental para os diplomatas brasileiros.
A crise, porém, continua e ensina uma lição a Bolsonaro: ele não tem o direito de expor o Brasil assim, falando o que quer, fazendo o que quer, na hora que quer, abrindo mil e uma frentes de guerra e causando desgastes inúteis que não apenas prejudicam ele próprio e seu governo, mas o País.
O PT e as esquerdas assistem à tragédia e à sucessão de erros e retrocessos comendo pipoca, se divertindo, curtindo a ideia de que “quem ri por último ri melhor” e aguardando o aviso (ou ameaça?) do ministro Gilmar Mendes de que “devemos ao Lula um julgamento justo”. Já imaginaram? Uma nova guerra entre lulismo e bolsonarismo? Pobre Brasil.
A única forma de conter essa polarização insana é explorar os espaços de centro e trabalhar alternativas, diante da avaliação, ou constatação, de que o que está aí não é o começo de uma nova era saudável, mas o fim de uma era doente.
domingo, 25 de agosto de 2019
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