Todos os governos, a despeito da sua coloração política ou
ideológica, enfrentam um dilema crucial entre independência e controle de
agências e órgãos governamentais. Tentativas de interferência de políticos têm
o efeito de reduzir a credibilidade e estabilidade do sistema democrático. Por
outro lado, quando as instituições de controle são muito independentes,
corre-se o risco de que a autonomia delegada seja usada para alcançar
resultados que possam prejudicar a sobrevivência dos próprios políticos.
Esse dilema é particularmente relevante quando há
alternância de poder com a chegada de uma nova elite política com preferências
diferentes do antecessor. É natural que um novo governo democraticamente eleito
busque mudanças no perfil de política pública e regulatória. Boa governança,
entretanto, exige que essas mudanças sejam implementadas por meios previamente
acordados e institucionalizados, tais como a nomeação de novos diretores para
as agências no tempo legalmente predeterminado. Quando esses procedimentos são
adotados, o estado de direito não é violado.
Nem todas as formas de interferência política, no entanto,
são benignas. Quando elas quebram as regras e os contratos nos quais os setores
operavam anteriormente, interferências podem criar incerteza e instabilidade.
Até que ponto interferências políticas podem gerar déficits
de qualidade democrática? É razoável imaginar que instituições regulatórias e
de freios e contrapesos sejam passivas diante de potenciais interferências
governamentais?
Não tem sido poucos os exemplos de interferência (nomeações
partidárias, contingenciamento dos recursos, uso estratégico de vacância de
diretores etc.) de governos brasileiros. Nas últimas semanas observou-se uma
crescente ingerência do governo Bolsonaro em algumas instituições
governamentais tais como Polícia Federal, Receita Federal, Coaf, agências
reguladoras etc.
Mas tal comportamento não é exclusivo do atual governo. Já
nos primeiros meses do governo Lula, por exemplo, foram iniciadas várias
políticas que buscaram mudar a natureza das agências, incluindo uma tentativa
de alterar unilateralmente o índice de inflação em vários contratos de
concessão, a tentativa de demitir o presidente da Anatel, que tem mandato fixo,
e a proposição de uma nova lei para regulamentar as agências reguladoras com o
objetivo de reduzir drasticamente o nível de autonomia regulatória
comprometendo a sua governança.
As administrações de Dilma também trouxeram novas
interferências regulatórias. Dilma emitiu, por exemplo, dois decretos
autorizando o ministro dos Transportes a nomear e/ou demitir diretor temporário
da ANTT e ANTAQ sem consulta prévia ou autorização do Senado. Além do mais, nos
seis anos de seu governo, foi assegurado às agências reguladoras apenas 33% de
seus recursos orçamentários e a vacância na diretoria das agências superou 55%.
Em estudo que acaba de ser publicado no periódico acadêmico
Regulation & Governance, “Political Interference and Regulatory Resilience
in Brazil”, eu e meus coautores investigamos a governança regulatória das
agências brasileiras em 2016 comparando com pesquisa similar que realizamos em
2005. Os resultados da nova pesquisa revelaram-se surpreendentemente
semelhantes aos de uma década atrás. Este resultado sugere uma forte
resiliência das agências reguladoras, apesar das tentativas significativas de
interferência política de presidentes.
O estudo ressalta que a sujeição dos fortes poderes
presidenciais a freios e contrapesos independentes fornecem o ambiente
institucional para que os órgãos de controle sejam resilientes às
interferências governamentais. Em suma, os fatores que explicam a resiliência
da governança democrática no Brasil estão na força do arcabouço institucional
do presidencialismo multipartidário, que tem efetivamente moderado os efeitos
das interferências do executivo.
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