Pedro Doria, O Estado de S.Paulo
Muitas características fazem, do governo atual, ímpar. Gosta de romper com políticas de Estado consolidadas há décadas, por exemplo. Tem dificuldades de lidar com os limites constitucionais impostos ao Poder Executivo. Não se envergonha de nepotismo e tem orgulho de ser obscurantista. Mas, quando passar —e todo governo passa —, uma destas características poderá custar muito, muito caro ao Brasil. É o obscurantismo. Ou, em outras palavras, a repulsa à ciência.
A repulsa à ciência aparece de muitas formas. Quando ministros põem em dúvida aquilo que é consenso entre cientistas, como as mudanças climáticas, é um caso. Ou, então, quando o governo enxerga ideologia em números do IBGE, do Inpe, certamente outros exemplos virão. De uma forma mais ampla, porém, esta recusa da ciência põe em perigo o futuro econômico do Brasil. De duas formas.
A era digital, na qual entramos, é em essência aerada matemática. Os dois braços de avanços tecnológicos nos quais estamos mergulhando —em biotecnologia e em inteligência artificial —têm por pedestal uma matemática muito sofisticada. É ama temática do DNA e ama temática por trás dos softwares capazes de aprender.
Não bastasse, a conclusão de que vivemos um tempo de violentas mudanças climáticas se baseia em modelos matemáticos.
Nunca o Brasil precisou tanto de gente que conhece em profundidade matemática. E isso ocorre justamente quando temos um presidente da República que encontra, nos números, ideologia.
É em cima de conhecimento matemático que produziremos o PIB do futuro. É com base nele que temos a oportunidade de deixar de ser um exportador de commodities e cérebros para nos tornarmos cultivadores de cérebros e exportadores de tecnologia.
Nunca foi tão importante pegar instituições como o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), as melhores universidades federais, estaduais e as PUCs e botar, nelas, todo gás. Concentrar nelas o melhor investimento.
Jamais foi tão relevante pegar experimentos como as Olimpíadas da Matemática e expandi-los, para que possamos descobrir desde cedo as melhores cabeças entre os brasileiros mais pobres, para que possamos —enquanto melhoramos o ensino público —pescar essa garotada e já dar ensino de excelência para eles desde cedo. Precisamos de qualidade em quantidade.
É a recusa dos números em plena era dos números que faz este governo olhar para a Amazônia e nela enxergar terra para pasto, para soja e minas diversas. Não vê a biodiversidade, a riqueza genética, a indústria farmacêutica do futuro, os bilhões e trilhões em patentes. Não se toca dos ciclos das chuvas, ignora que inteligência artificial em conjunto com edição genética permite produzir muito mais com muito menos terra.
Ao invés de promover o encontro entre iniciativa privada e professores universitários, de quebrar o preconceito da academia brasileira com o capitalismo do século XXI, o governo estimula o ódio à educação. Quando podia estar criando formas de estimular a geração de patentes e eliminar a burocracia para seu registro, tornar pesquisadores os grandes propulsores da nova riqueza nacional, o Planalto obscurantista os torna inimigos e, em estudantes, enxerga idiotas úteis.
O Vale do Silício existe por causa da Universidade de Stanford. Boston é um hub tecnológico por conta de Harvard e MIT, e Austin está chegando por causa da Universidade do Texas. A China investiu em formar matemáticos e hoje briga com os EUA. A Coreia do Sul. Quantos anos mais perderemos?
Em tempo: senhor presidente, diferentemente do que o senhor sugeriu e sua máquina de memes espalha, jamais fiz qualquer palestra para o governo federal. Muito menos pago pelo PT.
sexta-feira, 30 de agosto de 2019
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