Com seu desprezo pela contribuição dos principais doadores,
o governo
de Bolsonaro está
simplesmente decretando a falência do Fundo
Amazônia. E mais, está mostrando que, na prática, realiza sua intenção de
retirar o Brasil do Acordo
de Paris. Será impossível honrar o compromisso de diminuição das emissões
de gases do efeito estufa, que estão ligadas à redução de 80% da taxa de
desmatamento da Amazônia.
No ano passado, o desmatamento atingiu
a marca de 7.900 km2. Neste ano de 2019, as projeções são de crescimento
significativo. Como manter o limite de 3.925 km2 em 2020,
conforme o compromisso firmado em 2009 pelo governo brasileiro?
Alguns dias antes de sediar a Semana
do Clima, que terminou na sexta-feira (23), em Salvador, o governo
brasileiro anunciou com gestos e atos: o Brasil não pretende mais cumprir os
compromissos assumidos no âmbito da Convenção de Mudanças Climáticas. Consegue
assim, em tempo recorde, fazer uma potência ambiental como o Brasil se
transformar em “pária ambiental”. O que era exemplo virou escândalo.
Sentiremos na prática, ainda nesta estação seca: deixarão de
existir os recursos do Fundo Amazônia, que são fundamentais para viabilizar o
trabalho do Ibama de fiscalização do desmatamento, da prevenção ao fogo e de
combate às práticas criminosas de grilagem de terra. Quem vive na Amazônia já
está sufocado pela fumaça resultante
dessa política antiambiental.
A pretexto de acabar com a “indústria da multa”, o governo
acaba com as legalidades e incentiva o crime. Entre 2016 e 2018, os recursos do
Fundo Amazônia financiaram 466 vistorias que geraram aplicação de mais de R$
2,5 bilhões em multas. Parece muito? O prejuízo causado pelos crimes
ambientais, pela devastação e perda do patrimônio natural, assim como o lucro
fácil que alguns conseguiram com esses crimes é muito maior.
Prejuízos grandes teremos também em outras áreas, sobretudo
nas relações diplomáticas e econômicas com outros países, a exemplo do
agronegócio. O presidente ataca Noruega, França e
Alemanha. E o ministro
da Economia já adianta que, se houver mudança de governo na Argentina,
o Brasil poderá sair do Mercosul. Isso só reforça a condição de subserviência e
dependência do Brasil em relação aos EUA —que, se confirmada a indicação
do filho do presidente como embaixador, deixará de ser entre países
soberanos para se transformar em uma relação doméstica e familiar nitidamente
desfavorável aos interesses do país.
O caso
do Inpe torna explícita essa relação de subserviência. Temos uma
instituição científica que presta um serviço público de reconhecimento
internacional, mas o governo prefere gastar milhões para contratar uma empresa
norte-americana, a Planet, para monitorar
a Amazônia brasileira. Não são os outros países que querem “comprar a
Amazônia à prestação” (aqueles que o presidente menciona fizeram doações
republicanas, respeitando e fortalecendo as instituições brasileiras). É o
governo Bolsonaro que está rifando o futuro da Amazônia.
É muito grave tudo isso que está acontecendo no Brasil. São
violações que terão um custo muito elevado para o país. A sociedade brasileira
não pode ficar refém desses inúmeros abusos de poder. E não é abuso de
autoridade, porque autoridade é algo que falta ao presidente e a vários outros
representantes do seu governo.
Bolsonaro não assume oficialmente que abandonou o Acordo de
Paris, é claro, porque teme as consequências comerciais e diplomáticas. Talvez
pense que a ONU e a comunidade internacional não percebam o que está fazendo. A
linguagem escatológica mostra que, na verdade, o presidente não dá a mínima
importância para o meio ambiente. É triste. E será trágico.
Marina Silva
Ex-ministra do Meio Ambiente (2003-2008, gestão Lula),
ex-senadora (1995-2011) e candidata à Presidência da República pela Rede em
2018, pelo PSB em 2014 e pelo PV em 2010
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