O que assusta é o quanto o ministro da Economia desconhece
sobre a relação entre economia e política, entre democracia e fatores de risco
atualmente avaliados pelos fundos de investimento. Se houver um outro AI-5, ou
que nome tenha uma violenta repressão policial militar às liberdades
democráticas, os investidores fugirão do Brasil. A economia não é uma ilha que
possa manter seu equilíbrio sobre escombros da civilização.
O governo Bolsonaro neste momento saiu das palavras
autoritárias para as propostas autoritárias. O perigo mudou de patamar. A ideia
de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para ação na área rural
mais a proposta de que dentro das GLOs haja o “excludente de ilicitude” formam
uma mistura perigosa. E intencional, na opinião do deputado Marcelo Freixo
(PSOL-RJ):
— Isso é um AI-5. Quando a GLO se generaliza e dentro dela
está embutida o excludente de ilicitude temos um verdadeiro AI-5.
Em outro momento de sua desastrada e longa fala, Paulo
Guedes disse que o presidente não está com medo do ex-presidente Lula. “Ele só
pediu o excludente de ilicitude. Não está com medo nenhum, coloca um excludente
de ilicitude. Vam’bora.”
É impossível ir embora, tocar adiante com essa leveza que o
ministro sugere, porque a expressão “excludente de ilicitude” parece um termo
técnico e anódino, mas significa licença para matar. No país em que as forças
de segurança matam muito e cada vez mais, em que os militares das Forças
Armadas respondem apenas à Justiça Militar e em um governo que jamais escondeu
sua profunda admiração pelas ditaduras, esse instrumento não é um detalhe
burocrático. Pode ser a porta do horror.
O ministro repetiu uma ideia que é recorrente em seu
discurso, a de que se há crítica ao governo é porque não se aceitou o resultado
da eleição. “Sejam responsáveis, pratiquem a democracia, ou democracia é só
quando um lado ganha? Quando o outro lado ganha, com dez meses você já chama
todo mundo para quebrar a rua?” Vários equívocos numa mesma fala. Pela ordem:
não existem só dois lados na política, a eleição não é cheque em branco para
que o governante possa fazer tudo o que lhe der na telha, a crítica é natural
numa democracia, e protestos não significam necessariamente “quebrar a rua”. E
se por acaso em alguma futura manifestação houver excessos, como o caso dos
black blocs, nos protestos de 2013 e 2015, não é preciso abandonar a
democracia. Como ficou provado na época.
O ministro continuou sua fala, sendo mais explícito: “Não se
assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi
diferente? Levando o povo para a rua para quebrar tudo”. Foi diferente. O AI-5
não foi feito porque o povo estava quebrando tudo. Foi o resultado de uma luta
dentro do regime e venceu a ala que queria o endurecimento. “Às favas com os
escrúpulos”, disse o então ministro Jarbas Passarinho. Delfim Netto achou que o
ato era brando. A frase de Guedes “já não aconteceu uma vez?”, e a evidente
ameaça que ela contém, mostra que 51 anos passaram em vão para Paulo Guedes.
Ele não entendeu ainda o que havia de errado naquele ato liberticida.
Não viu também a mudança dos tempos. Se fossem repetidos
hoje, os crimes do AI-5 afastariam totalmente os melhores investimentos do
Brasil. Os novos administradores dos grandes fundos prestam contas aos
stakeholders, ou seja, a todos os envolvidos direta e indiretamente em suas
captações e escolhas de alocação de recursos.
No governo Bolsonaro já houve manifestações de rua contra e
a favor. Normal numa democracia. O ministro gostou muito de uma que apoiava a
reforma da Previdência. Houve até atos com presença de ministros do governo em
que grupos pediram fechamento do Supremo. O problema nunca foi o que se pede
nas ruas, mas o que o governo faz, como reage. Se estimula os ataques às
instituições, se reprime com violência desmedida, se usa os atos como pretexto
para decisões antidemocráticas.
Alguns tentam isolar a economia, dizendo que ela está
melhorando, apesar dos péssimos sinais em outras áreas. Eu nunca acreditei que
fosse possível essa separação. O ministro ajudou a esclarecer as coisas. Ao
ecoar explicitamente a ameaça feita pelo filho do presidente, removeu o suposto
isolamento e uniu a economia à parte sombria do governo que abraçou.
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