Monica de Bolle, ÉPOCA
Não entendo nada de futebol apesar de ser flamenguista.
Portanto, este não é um artigo sobre o Flamengo, o Mengão campeão, viva o
Flamengo! Mas há algo de novo no Flamengo que toca outros temas, em particular
a falta do novo na condução econômica e no debate nacional sobre os rumos do
país. O novo no Flamengo é, evidentemente, a abertura para ideias diferentes
representada pela escolha do técnico, tão criticado no início da trajetória
para os dois títulos conquistados no último fim de semana. Arejar as ideias é
fundamental em qualquer área, do futebol à economia.
Na economia, estamos bem mal. Não é exagero, ainda que
alguns possam querer insistir em relatar melhorias pontuais, a aprovação da
reforma da Previdência e outros feitos. Não os desmereço, que fique claro. O
problema é outro. Nesta semana esteve no Peterson Institute for International
Economics (PIIE) o ministro Paulo Guedes.
Não, não foi aqui que ele deu a declaração sobre o AI-5, mas
nem por isso sua fala foi menos espantosa. O PIIE é um dos mais prestigiados
institutos de pesquisa do mundo, vencedor há 4 anos seguidos do prêmio Prospect
de Melhor Think Tank de Economia. A plateia que participa dos eventos públicos
e privados que organizamos é altamente qualificada: embora ela seja composta
majoritariamente por economistas, sempre há cientistas políticos, advogados,
além de diversos acadêmicos de outras áreas e gestores de políticas públicas.
Esperava-se que o ministro fizesse uma apresentação técnica sobre os avanços
conquistados e os riscos do ambiente de turbulência política ao redor do país e
dentro dele próprio para a economia brasileira.
Em vez disso, Guedes se ateve ao modo associação livre de
falar, que é sua característica. A associação livre, quando bem feita, pode dar
boas letras de música, boa prosa ou poesia, um monólogo divertido, até.
Contudo, não suscitou interesse na plateia habituada a pensamentos bem
estruturados e expostos com clareza.
Guedes foi errático, pulou de um tema para outro, divagou e
falou bobagens. Ao descrever a agenda futura de reformas, foi repetitivo.
Forneceu uma lista de desejos ordenada item por item, em que a alardeada
reforma tributária constou como o item de número “cincuum”. Sem explicitar o
termo de comparação, repetiu várias vezes que a democracia brasileira é a mais
vibrante e que a segurança está melhorando com a queda na taxa de homicídios,
colhendo os frutos de ações estaduais e de administrações anteriores. Claro que
não houve menção às mortes associadas às ações policiais nas comunidades
pobres.
Quase disse que o Brasil é o país mais preocupado com o meio
ambiente no mundo — não disse isso exatamente, mas o tom esfuziante ficou
evidente. Falou, falou, falou. Quando viu que a hora passava e que ele deveria
dar a palavra para a plateia, falou mais um pouco. Foram poucas as perguntas e
ele não respondeu a nenhuma, empenhado que estava em seu fluxo de consciência
desconexo. Não restou qualquer dúvida de que o ministro gosta muito de ouvir a
própria voz.
De tudo isso, o que ficou claro para a plateia?
Em uma brevíssima menção à pobreza, disse que o ideal era
dar alguma condição ao pobre e deixá-lo a serviço do mercado, remontando à
velhíssima premissa de que pobre é pobre porque não sabe correr atrás do que
precisa para ser bem-sucedido. A pobreza para ele não é estrutural nem
resultado de um intricado sistema que impede a mobilidade social pois é gerador
de desigualdades de oportunidades no ponto de partida. Guedes não entende que o
crescimento econômico não é uma panaceia, que não é condição suficiente para
nada e talvez não seja sequer condição necessária.
Tenho escrito, com base em uma releitura de Albert O.
Hirschman, que o crescimento pode ser fonte de instabilidade política a depender
da maneira como afeta a dinâmica social e a mobilidade de segmentos da
população. O pensamento econômico moderno abandonou as teses de Guedes sobre
pobreza e crescimento há tempos. Também abandonou a ideia de Estado mínimo por
ele apregoada. Guedes é inequivocamente vítima de um problema que assola o
Brasil em várias esferas: o enrijecimento intelectual e a incapacidade de
interagir com o que é novo e diferente. Como tantas profissões, é adepto do
clubismo na troca de ideias. Fala para si e para os que querem ouvi-lo, sem
capturar aqueles que operam em frequências distintas. Trata-se de um retrato da
poeira que assola o Brasil atual.
Cincuum. Vai Flamengo! Levanta a taça do Brasileirão com
toda a mescla de criatividade e de cores das bandeiras do Brasil e de Portugal.
Aproveita para assoprar um pouquinho da poeira. O Brasil precisa.
*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute
for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins.
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