A desconfiança de que o acordo fechado entre Câmara e Senado
para aprovar uma emenda constitucional que permita a prisão em segunda
instância não passa de uma manobra protelatória para não aprovar coisa nenhuma
tem sido uma dor de cabeça para o presidente da Câmara.
Ele passou a sexta-feira ao telefone ligando para os líderes
de partidos políticos que não indicaram os membros da Comissão Especial que
analisará a proposta. Isso porque apenas 16 dos 34 deputados que a comporão
haviam sido indicados. Maia dá sinais de que pretende instalar já na próxima
semana a Comissão com a maioria de 18 participantes, para forçar os demais
partidos resistentes a indicarem seus representantes.
Entre esses partidos estavam até mesmo o DEM, partido de
Maia e Alcolumbre, PP, MDB, Republicano, PTB, PSC, PMN, Solidariedade, PCdoB,
Patriota, PT, PSB e PSOL. Os partidos de esquerda tentarão obstruir os
trabalhos, e, sendo a Comissão Especial instalada, eles terão que fazê-lo nas
reuniões plenárias, não adiantando ficar de fora dos debates.
O presidente da Câmara quer demonstrar, com essa instalação,
que está disposto a fazer andar a proposta, para dissipar as dúvidas sobre sua
atuação. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a proposta que muda os
artigos 102 e 105 da Constituição para permitir que os julgamentos terminem na
segunda instância, quando seria considerado o trânsito em julgado, foi aprovada
por 50 votos a 12, o que mostra a correlação de forças.
O texto da PEC do deputado Alex Manente transforma os
recursos ao STJ (ordinários) e ao STF (extraordinários) em ações de revisão,
possibilitando que as decisões proferidas pelas cortes de segunda instância
transitem em julgado com o esgotamento dos recursos ordinários.
O projeto em discussão no Senado que altera o Código de Processo
Penal (CPP) para definir que a prisão pode acontecer “em decorrência de
condenação criminal por órgão colegiado ou em virtude de prisão temporária ou
preventiva” vai continuar sua tramitação na CCJ até que a senadora Simone Tebet
se convença de que a PEC da Câmara vai realmente seguir adiante.
A decisão de apoiar a PEC em vez da mudança do PCC, como
queria o ministro Sérgio Moro, levou em conta a segurança jurídica, e não o
tempo do processo, mais demorado e mais difícil de ser aprovado quando se trata
de uma emenda constitucional.
Havia o receio de que a mudança no CPP criasse dúvidas, pois
o artigo 283 já fora considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Mudança em seu texto levantaria novos debates na própria Corte, mesmo que o
presidente do STF, ministro Dias Toffoli, tenha dito que o Congresso é soberano
para mudar a legislação.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, está convicto de que a
proposta será aprovada com facilidade, mas sabe que haverá obstáculos no
caminho. O que ele quer é que todos assumam suas responsabilidades, como
aconteceu na reforma da Previdência.
Os deputados que eventualmente poderiam resistir à
antecipação da prisão têm atualmente processos no Supremo Tribunal Federal, e
só seriam prejudicados se perdessem a eleição em 2022, um horizonte eleitoral
distante. E a pressão da opinião pública certamente continuará, especialmente
no recesso parlamentar, quando todos regressam às suas bases eleitorais. Desse
ponto de vista, será até bom instalar a Comissão Especial agora e retomar as
discussões no ano que vem.
Uma discussão que certamente afetará a decisão é o alcance
da mudança, que deve atingir todos os casos, não apenas os criminais. Os casos
cíveis, tributários, trabalhistas e outros poderão ser executados com a decisão
de segunda instância.
Essa abrangência pode ser questionada, e a senadora Simone
Tebet acha que os lobbies atuarão fortemente para derrubar a PEC,
inviabilizando sua aprovação. Mas, ao mesmo tempo, ajuda a não particularizar a
decisão, tirando dela a pecha de ser destinada a voltar a prender o
ex-presidente Lula. Além da pressão da sociedade pela segunda instância ser
voltada pontualmente para os corruptos presos, o interesse dos políticos
aumentará muito com a simplificação dos processos em geral, e a PEC teria o
apoio da sociedade também por parte dos que criticam a demora das decisões
judiciais.
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