Contra todos os prognósticos, Bolsonaro apostou na
polarização para chegar ao poder e se deu bem. Numa estratégia bem pensada,
suas polêmicas foram reproduzidas em massa via posts, memes e vídeos
disseminados pelo WhatsApp e outras redes sociais. Em tempos de Lava-Jato,
Bolsonaro encarnou o espírito do combate à corrupção, do antipetismo e da
aversão aos partidos e à classe política tradicional. Mais do que isso, o então
candidato autoproclamou-se protetor da moral e dos bons costumes – seja lá o
que isso for.
Logo ao receber de Michel Temer a faixa presidencial, em
discurso no parlatório do Palácio do Planalto, Bolsonaro celebrava a vitória e
já sinalizava que o clima de campanha iria continuar: “É com humildade e honra
que me dirijo a todos vocês como presidente do Brasil. E me coloco diante de
toda a nação, neste dia, como o dia em que o povo começou a se libertar do
socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente
correto“, foram as suas primeiras palavras dirigidas à sociedade.
Como efeito direto de sua tática de “nós contra eles”,
Bolsonaro herdou um eleitorado dividido. Já em abril, 35% dos brasileiros
consideravam seu governo ótimo ou bom, enquanto 27% atribuíam a ele uma nota de
ruim/péssimo. Essa diferença (8%) era disparadamente a menor entre seus
antecessores eleitos nas urnas: Collor (33%), FHC (29%), Lula (44%) e Dilma
(51%).
Após um ano de governo, Bolsonaro já conseguiu a proeza de
cair para o campo negativo, em que o grupo daqueles que abominam o seu governo
(38% de ruim/péssimo) supera a turma que o adora (29% de ótimo/bom). Collor
levou um pouco mais de tempo para chegar a esse ponto: com o seu plano
econômico fazendo água e as denúncias de corrupção começando a pipocar, a
rejeição superou a aprovação depois de 16 meses. FHC foi mais longe,
mantendo-se no campo positivo durante todo o primeiro mandato, garantindo com
folga sua reeleição. A partir de janeiro de 1999, porém, com a desvalorização
do real, mergulhou nas profundezas da desaprovação e nunca mais voltou à tona.
As denúncias de corrupção fizeram a popularidade de Lula
sangrar com a eclosão do mensalão. Entre setembro e dezembro de 2005 seu
governo balançou, com índices de ruim/péssimo de 32%, contra ótimo/bom de 29%.
Dilma, por sua vez, foi abatida pelos protestos de junho de 2013 (sua
reprovação saiu de 7% para 31%) e pela Lava Jato e o processo de impeachment –
quando chegou a 70% de ruim/péssimo.
As fortes evidências trazidas pelo relatório do Grupo de
Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público
do Rio de Janeiro, combinadas com as frágeis explicações do senador Flávio
Bolsonaro para a evolução de suas finanças pessoais e seu relacionamento com
assessores, poderão contaminar ainda mais a avaliação pessoal de Jair Bolsonaro
no restante de seu governo. Como atesta nossa história recente, o apoio aos
sucessivos presidentes é bastante sensível a denúncias de corrupção e ao mau
desempenho econômico.
O descontrole do presidente ao ser questionado sobre a
situação do filho evidencia o quanto o desenrolar das investigações pode ser
danoso para um político que construiu sua imagem com palavras de ordem contra a
corrupção e o mau uso de recursos públicos. Se as denúncias de funcionários
fantasmas, rachadinhas e laranjas que pipocam desde a época da campanha não
foram capazes de impedir sua eleição, podem ser fatais à medida em que mais
fatos e dados forem sendo descobertos pelos órgãos de controle. Como atestam
tantos escândalos de corrupção, “quando se puxa uma pena, vem uma galinha inteira”,
já dizia o falecido ministro Teori Zavascki. E as informações trazidas pelo
Ministério Público até o momento evidenciam um trabalho robusto de cruzamento
de dados e informações financeiras difícil de ser rebatido.
Por fim, numa época em que celebramos a paz e os desejos de
tempos melhores, merece repulsa o comportamento do presidente da República
perante os repórteres que o indagavam sobre as investigações contra o seu filho
e seu próprio relacionamento financeiro com Fabrício Queiroz, ex-assessor de
Flávio Bolsonaro. A estratégia de polemizar, radicalizar e “lacrar” tem limites
– ainda mais quando se é uma autoridade pública, sujeita a prestar contas de
seus atos. O comportamento homofóbico e desrespeitoso do presidente da
República não deve ser relativizado.
A esse respeito, acaba de sair a pesquisa “Democracies under
Pressure” conduzida pela francesa Fundação pela Inovação Política e pelo
americano Instituto Republicano Internacional em 42 países. Ao todo, foram
entrevistadas 36.395 pessoas, sendo 1 mil delas no Brasil.
Por meio de um extenso questionário de 35 perguntas,
mediu-se o pulso da sociedade sobre o estado da democracia ao redor do mundo.
O resultado da pesquisa em relação ao Brasil, em particular,
é preocupante. Em relação à média internacional, consideramos que a democracia
por aqui funciona mal (77%), estamos mais dispostos a abrir mão de nossa
liberdade em favor de mais ordem (73%) e desconfiamos da maior parte das
instituições democráticas, como o governo (93%), o Congresso (90%), o Judiciário
(69%) e a imprensa (83%).
Mas se há uma coisa em que nós nos sobressaímos
positivamente em relação aos demais países é a tolerância e o otimismo. Os
brasileiros entrevistados se mostraram muito mais simpáticos a pessoas com
posições diferentes das suas em relação à orientação sexual (85% x 77% da média
dos 42 países), religião (90% contra 78%), opinião política (86% x 78%) e raça
(96% contra 84%). E, apesar de todos os problemas e ameaças que enfrentamos,
ainda esperamos que nosso futuro será melhor do que atualmente (36%, contra 20%
da média internacional).
Em tempos de tanta agressividade e preconceito partindo de
nossa autoridade máxima, esses números são um sopro de esperança em relação ao
nosso futuro, com mais respeito, tolerância e inclusão. Feliz Natal a todos!
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e
autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político
brasileiro”.
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