Com frequência, o presidente Jair Bolsonaro coloca-se como
vítima. O discurso é de que seu governo enfrenta uma descomunal resistência por
parte dos outros Poderes, da esquerda, da academia, da imprensa, dos organismos
internacionais e de todos os que não estão de acordo com sua pauta
“conservadora”. Tal perseguição seria a causa das muitas crises que o seu
governo tem enfrentado. Ainda que amplamente difundida por seus robôs e
apoiadores, essa retórica não tem nenhum fundamento na realidade. As crises,
que com razão trazem crescente preocupação aos brasileiros, foram e são
causadas apenas e tão somente por Jair Bolsonaro. É ele que deliberadamente tem
insistido em produzir, a cada semana, uma nova instabilidade, uma nova fonte de
atrito com todos os que não se dispõem a prestar-lhe vassalagem.
Foi Jair Bolsonaro que criou, por exemplo, a crise que
desembocou na demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde. Não
havia oposição à gestão de Mandetta. Ao contrário, era uma das poucas áreas do
governo que recebiam elogio e reconhecimento de vários setores da sociedade. No
entanto, para espanto de todos - afinal, o País começava a enfrentar o maior
desafio de sua história na área da saúde -, o presidente Bolsonaro fez de tudo
para se indispor com Mandetta.
Demitido Mandetta, Nelson Teich assumiu o cargo. Apesar do
caráter inusitado da troca no meio da pandemia, houve por um tempo a
expectativa de que a mudança na Saúde diminuiria as tensões, permitindo que a
pasta realizasse o seu trabalho. Mas, para nova surpresa do País, em menos de
um mês, Jair Bolsonaro indispôs-se com o ministro da Saúde, exigindo que ele
tomasse medidas contrárias às evidências médicas. Novamente, não houve nenhuma
ingerência externa a gerar desgaste para Nelson Teich. Foi Jair Bolsonaro que
inviabilizou sua permanência na pasta.
Outra crise gerada exclusivamente pela atuação presidencial
deu-se no Ministério da Justiça, com a demissão de Sérgio Moro, até então o
ministro mais popular do governo. Jair Bolsonaro insistiu em realizar, contra a
vontade de Moro e sem motivos plausíveis, a troca do diretor-geral da Polícia
Federal (PF) Maurício Valeixo e do superintendente do órgão no Rio de Janeiro.
Naquele momento, não havia nada pressionando a saída de Sérgio Moro da pasta da
Justiça. Foi Jair Bolsonaro que inviabilizou a permanência do ex-juiz da Lava
Jato no governo.
E foram precisamente essas ações do presidente da República
que levaram o Supremo Tribunal Federal (STF) a abrir inquérito, a pedido da
Procuradoria-Geral da República, para investigar possível interferência
política na PF. Todo o País estava voltado para uma única questão - o
enfrentamento da crise sanitária, social e econômica causada pela pandemia do
novo coronavírus. A autonomia da PF não estava na pauta. Foi Jair Bolsonaro que
criou essa crise que, por motivos óbvios, causou grave instabilidade.
Outra grave crise é a tensão entre o governo federal e o
STF. Mais uma vez, seu criador se chama Jair Bolsonaro. Aqui, há um aspecto
interessante, que põe por terra a retórica bolsonarista da perseguição contra o
presidente. De forma escancarada, quem persegue e afronta é Jair Bolsonaro, com
a participação ativa de seus apoiadores. Por exemplo, Bolsonaro tem comparecido
frequentemente a manifestações que pedem nada mais nada menos que o fechamento
do STF. Semanas atrás, o presidente Bolsonaro levou de surpresa uma turba de
apoiadores para constranger o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, em
seu gabinete. Nas redes sociais, a ofensiva contra o STF é assustadora. Poucos
são os brasileiros que não recebem, todos os dias, alguma mensagem de ataque ou
de ameaça das redes bolsonaristas contra integrantes do Supremo. E tudo isso
porque o presidente Jair Bolsonaro se sente incomodado com decisões que lhe são
desfavoráveis. Ora, o papel constitucional do STF é defender a Constituição, e
não assentir a tudo o que o chefe do Executivo faça.
O País vive um momento especialmente delicado, por questões médicas, sociais e econômicas. Basta com a irresponsabilidade - verdadeiro escárnio com a população e o interesse público - de criar continuamente novas crises.
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