O ministro Marco Aurélio Mello disse que a despesa com os
servidores pode ser reduzida, ainda que o Supremo tenha decidido que são
irredutíveis os salários dos funcionários públicos da União, Distrito Federal,
estados e municípios. No mesmo dia dessa decisão, que protege um grupo
profissional, o IBGE divulgou que a renda do brasileiro caiu 18% em maio, e
que, dos afastados do trabalho, quase dez milhões passaram a não ter renda
alguma. Desses, 33% são empregadas domésticas sem carteira. São os retratos do
país.
O Brasil sabe como construir desigualdades e faz isso na
saúde e na doença, na prosperidade e na crise. Agora, por exemplo, alguns, como
eu, conseguem trabalhar de casa porque têm boa internet e bons equipamentos. Os
de maior escolaridade, avisa o IBGE, são a maioria entre os que conseguiram
continuar produzindo de casa.
O ministro Marco Aurélio explicou que a Constituição
estabelece a irredutibilidade dos salários dos servidores, mas não o de
trabalhadores do setor privado.
— É bom pensar nisso para uma futura emenda — disse.
O tratamento é desigual, afinal, o Brasil vive uma pandemia,
um colapso da arrecadação que devasta as finanças de estados e de municípios, e
o gestor público pode cortar tudo, menos o salário do servidor. Imagine uma
cidade sem recursos que tenha que, em vez de comprar remédio para um hospital,
manter o mesmo rendimento para o servidor num país que empobreceu?
O que o ministro argumenta é que a própria Constituição
aponta um caminho:
— O rol de medidas, para reduzir as despesas com pessoal,
contido na Constituição, é exaustivo. Está no artigo 169. Permite a redução dos
gastos de pessoal, primeiro afastando 20% dos detentores de cargos de
confiança, depois exonerando os servidores não estáveis e por último até os
estáveis, desde que pagando-se uma indenização de um mês por ano trabalhado.
Mas tem que conciliar todo ajuste à irredutibilidade dos salários dos
servidores — disse.
Nesse artigo a Constituição estabelece que os salários dos
servidores de qualquer esfera administrativa do setor público não pode exceder
o limite estabelecido por lei complementar. E faz a lista desses ajustes que
podem ser feitos. Nada impede agora que o governo federal diante da conhecida
queda de arrecadação reduza em 20% os cargos comissionados. Mas, pelo visto, na
negociação com o centrão para defender seu mandato, o presidente está fazendo o
caminho oposto. Aumentando as nomeações de apadrinhados.
Os efeitos econômicos do coronavírus no mercado de trabalho
são como um bombardeio sobre os postos de trabalho. Os servidores que têm
estabilidade já estão num abrigo antiaéreo. Na outra ponta, estão 19 milhões de
trabalhadores que foram afastados e, desses, quase 10 milhões ficaram sem
remuneração alguma. Somando-se os brasileiros que gostariam de procurar
trabalho mas não estão procurando por causa da pandemia e os desempregados, há
36,4 milhões de brasileiros “pressionando o mercado de trabalho”, como disse o
IBGE.
E, ao contrário do que o presidente Bolsonaro argumenta,
isso não é provocado pelas decisões de isolamento, mas sim pelo vírus em si. As
medidas, agora cada vez mais neglicenciadas, são decorrentes da necessidade de
proteger a vida. Se o governo tivesse sido eficiente nas linhas de crédito para
as empresas micro, pequenas e médias, teria reduzido em muito a crise atual. Se
tivesse organizado com competência a distribuição do auxílio emergencial, teria
evitado a maior parte das filas que certamente aumentaram as taxas de
contaminação. E, principalmente, se o presidente não tivesse passado tantos
sinais contraditórios, não tivesse negado a ciência, mas agido como
coordenador, o peso da pandemia e da crise econômica teriam sido menores.
Em todas as áreas o que se vê no Brasil durante a pandemia é o aprofundamento das desigualdades. A falta da cobertura de banda larga no país, a falta de computadores nos lares dos mais pobres, a falta de celulares afastam pessoas do mercado e tiram a capacidade de aprendizado dos estudantes. E pensar que quando foi criado o FUST era para ser, como o nome diz, um fundo para universalizar os serviços de telecomunicação. O dinheiro ficou parado no fundo, no meio de muito debate sobre o seu destino, e agora o governo Bolsonaro propôs sua extinção.
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