segunda-feira, 1 de junho de 2020

HORA DE CONCERTAÇÃO

Marcelo Trindade, O GLOBO

O pior é que pouco havia de verdadeiramente novo no vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Assistimos sem tarjas ao que já sabíamos. Palavrões, preconceito, ofensas pessoais, platitudes, autoritarismo e bajulação. Até os raros momentos de sensatez constrangeram, ditos apenas para os próprios ouvidos, ignorados pela plateia enfadada e incapaz da compreensão.

No dia da revelação do vídeo a novidade veio mesmo na nota do ministro Augusto Heleno, e na recusa antecipada de Bolsonaro ao cumprimento da eventual ordem de entrega de seu telefone celular. Ambas avançaram mais uma casa rumo à confrontação da ordem constitucional, passando para a ameaça explícita.

O risco para a democracia cresce de braços dados com a estratégia do discurso populista e chulo, na pretensão, até agora bem-sucedida, de alcançar o cidadão comum, farto da sofisticação do dito establishment e do cinismo da política. Negar essa realidade, ou combatê-la com a velha retórica e expressões enojadas, não surtirá nenhum efeito. Tampouco longas e rebuscadas decisões do Supremo Tribunal, recheadas de latim, motivarão o povo, preso em quarentena, a deter o avanço da boiada oportunista e atenta.

É preciso atitude para responder à questão única que nos resta: como resgatar o país da armadilha da mediocridade e do menosprezo às instituições, para ser governado por pessoas capazes de conduzir os destinos da nação?

É da resposta a essa pergunta que a classe política e os cidadãos de bem devem se ocupar. Se os interesses pessoais e as vaidades ideológicas continuarem a prevalecer, serão novamente derrotados. As certezas típicas do discurso de botequim continuarão a soar como rota de fuga das dificuldades dramáticas do dia a dia, e voltarão a triunfar.

O momento é histórico. Se não houver consciência de sua relevância, algumas gerações serão perdidas. Somente uma união nacional pelo caminho do centro, reunindo todas as forças democráticas e qualificadas, será capaz de derrotar a ignorância e o atraso.

Marcelo Trindade é advogado e professor da PUC-Rio

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