George Gallup chegou a Madison Avenue muito antes de Donald
Drapper, o fictício publicitário da aclamada série Mad Men. Aos 31 anos ele foi
contratado para ser diretor da agência Young and Rubicam, levando para o centro
criativo da publicidade em Nova York o seu revolucionário método de aferir a
opinião pública por meio de levantamentos por amostragem.
Gallup aplicava suas técnicas para medir a efetividade de
anúncios e comerciais de produtos em jornais, revistas e rádio, mas naquele ano
(1932) resolveu fazer um experimento familiar. Sua sogra, Ola Babcock Miller,
iria se candidatar a um cargo em Iowa, e o estatístico começou a realizar
algumas pesquisas de opinião para aferir suas chances. Ela acabou vencendo,
pegando carona na onda democrata de Franklin Roosevelt, com suas propostas para
tirar o país da Grande Depressão – e Gallup percebeu que estava diante de uma
grande oportunidade de negócios.
Nas eleições presidenciais seguintes veio a sua consagração.
Uma revista popular na época, a The Literary Digest, enviou 10 milhões de
formulários para seus assinantes pedindo que eles respondessem em quem
votariam: no presidente Roosevelt ou no republicano Alf Landon. 2,27 milhões
responderam à enquete e, quatro dias antes da eleição, a revista anunciava que
o desafiante Landon venceria com 57,1% dos votos.
George Gallup trilhou um caminho diferente. Sua equipe foi a
campo e, consultando apenas 50.000 pessoas, chegou à conclusão de que Roosevelt
seria reeleito. Ao abrirem as urnas, Gallup tinha razão: Roosevelt venceu,
arrebatando 62% dos votos.
A façanha de Gallup ao prever o resultado das eleições presidenciais
americanas tinha explicação. Apesar de se apoiar numa amostra muito grande, a
pesquisa da Literary Digest sofria de dois problemas graves. O primeiro é que,
ao se basear apenas nas respostas de seus assinantes, sua enquete deixava de
fora o imenso contingente de desempregados da crise de 1929 – havia, portanto,
um viés de seleção a favor de respondentes mais ricos. Mais do que isso, os
respondentes tinham que se dirigir aos correios para enviar o formulário de
volta à revista, somente aqueles mais motivados participaram e, assim, a
amostra não era aleatória.
Ao conduzir sua pesquisa com técnicas modernas de
amostragem, Gallup provou que era possível obter resultados muito mais
confiáveis a um custo consideravelmente menor – bastava desenhar corretamente
uma amostra que refletisse a composição da população em relação às suas
principais características de distribuição geográfica, renda, idade e assim por
diante.
A partir de então o instituto Gallup reinou absoluto por
muitas décadas, expandindo seus negócios para diversos países. Essa trajetória,
porém, também teve seus fracassos retumbantes.
No pleito de 1948, Gallup aferiu 45 dias antes da eleição
que o presidente Harry Truman seria derrotado pelo republicano Thomas Dewey por
uma diferença de 46,5% a 38%. Baseando-se na experiência passada de que os
eleitores decidem seus votos logo após as primárias e as convenções dos
partidos, Gallup descartou a possibilidade de uma virada no placar às vésperas
da votação.
Fiando-se na opinião de Gallup e de outros analistas
políticos, o jornal pró-republicano Chicago Daily Tribune chegou a estampar na
primeira página, no dia seguinte à eleição, a manchete “Dewey derrota Truman”.
Contados os votos, Truman venceu por 49,6% a 45,1% – e sua foto sorridente,
segurando a capa do jornal que anunciou equivocadamente a sua derrota, entrou
para a história das eleições americanas.
E então chegamos a 2016. Ainda há controvérsia sobre as razões
do fracasso dos institutos de pesquisas em prever a vitória de Trump. Algumas
hipóteses são quase consensuais. A primeira delas é que, como em 1948, muitos
eleitores decidiram seu voto na última hora, e os levantamentos não conseguiram
captar esse movimento.
Também contribuiu para o erro uma taxa de comparecimento à
votação mais alta do que a média histórica entre os republicanos, ao mesmo
tempo em que aconteceu o contrário entre os apoiadores de Hillary Clinton – é
sempre bom lembrar que as eleições nos EUA são voluntárias e ocorrem em dias
úteis. Por fim, os institutos falharam ao não ajustar suas amostras para levar
em conta as diferenças de escolaridade do eleitorado, uma clivagem que foi
muito mais acentuada em 2016.
A praticamente quatro meses das eleições, está aberta a
temporada de pesquisas para tentar descobrir quem ocupará a Casa Branca a
partir de 20 de janeiro de 2021. Na última semana, o jornal NYTimes publicou
seus primeiros resultados, mostrando uma expressiva liderança de 14 pontos percentuais
entre Joe Biden (com 50% das intenções de voto) e o presidente Trump (36%).
Além de ter ampliado a margem de apoio em redutos
tradicionalmente dominados pelos democratas (como negros, latinos e jovens),
Biden parece estar roubando importantes fatias de eleitores que foram decisivos
para a vitória de Trump em 2016, como brancos com baixa escolaridade, idosos e
moradores dos chamados swing states – aqueles sem uma inclinação partidária
definida e que, no último pleito, fecharam com Trump por uma pequena margem,
como Michigan, Flórida, Pensilvânia, Wisconsin, Arizona e Carolina do Norte.
A revista inglesa The Economist, por sua vez, divulgou um
modelo que combina levantamentos de intenção de votos e diversos indicadores
econômicos para estimar as probabilidades de vitória de cada candidato. Com
dados atualizados diariamente, a publicação concluiu que o apoio a Biden
começou a subir em meados de março e hoje atinge uma surpreendente taxa de 90%
de chance de derrotar Trump em 04 de novembro. Os dados deixam claro que a
gestão da crise da covid-19 e a reação aos protestos contra a discriminação
após o assassinato de George Floyd têm pesado bastante na popularidade de
Trump.
Há poucos meses ninguém poderia imaginar que o mundo viraria
de ponta a cabeça por causa de um vírus; extrapolar esses resultados para
novembro, portanto, seria uma temeridade. Mas, como Gallup diria, quando um
político analisa os resultados de pesquisa, ele está ouvindo as visões das
pessoas. E, neste momento, a maioria dos americanos parece estar se afastando
de Donald Trump.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
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