A discussão em torno da formação de uma frente, que se
pretendia “ampla”, em defesa da democracia e dos direitos e em
reação às investidas de Jair
Bolsonaro contra esses dois pilares empacou em critérios tão
adultos e democráticos como birra, picuinha, ciúme, ressentimento e cálculo
eleitoral para 2022.
Enquanto entidades, políticos e partidos do espectro que vai
da centro-direita à esquerda discutem quem pode integrar a frente, tirando dela
qualquer amplitude, Jair Bolsonaro vai, na surdina, lhes roubando a principal
agenda: a discussão da renda básica universal.
Mais esse erro crasso dos que se opõem a Bolsonaro me
remeteu à fábula da festa no céu. Poderiam participar todos os animais
voadores. Mas o sapo deu um jeito de burlar as restrições e entrar no céu
escondido na viola do urubu.
O sapo é Bolsonaro. Assiste subitamente calado aos
desdobramentos do caso Fabrício Queiroz, sabendo que pode se complicar feio por
aí, enquanto vai, por meio do auxílio emergencial, entrando no baile da
esquerda, que se perde na distração de discutir quem pode ou não fazer parte da
tal frente.
Quando o necessário auxílio emergencial de R$ 600, por três
meses, foi aprovado, alguns analistas logo enxergaram o potencial que aquilo,
dinheiro na veia dos mais pobres, teria para dar a Bolsonaro uma nova base
social. Me lembro de textos nesse sentido de Carlos Pereira, no Estadão, Carlos Andreazza, no Globo, e Fernando Canzian, na Folha, para ficar
nos primeiros que trataram do tema.
Não deu outra. Dados da Pnad Covid divulgados pelo IBGE mostram o efeito rápido e
impressionante do auxílio – mesmo com todos os seus problemas de logística na
distribuição, fraudes e exclusão de gente que preenche os critérios para
recebê-lo – na redução da pobreza e da extrema pobreza.
Mesmo Bolsonaro, cuja inteligência não é tão grande quanto à
do engenhoso sapo, já percebeu o filão de recuperação de sua popularidade,
assolada pela absoluta incompetência que ele demonstrou para conduzir o País na
pandemia e por seus arreganhos autoritários, entre outras inadequações ao cargo
que ficaram escancaradas desde janeiro.
Com a costumeira falta de sutileza, foi ao Twitter expor um
casal “muito humilde” do Vale do Jequitinhonha que lhe agradecia pelo auxílio.
“De tudo o governo está fazendo, dentro do possível, para garantir a mínima
dignidade ao povo”, postou, assumindo o populismo e já despido da fantasia
liberal que vestiu para a eleição.
A renda básica universal é uma pauta que Eduardo
Suplicy carregou como um Quixote por décadas. Era ridicularizado
até no PT. Com a pandemia, o assunto voltou à discussão pelos escritos de
economistas como Monica
de Bolle, no Brasil, e ganhou também outros países.
Paulo Guedes a princípio resistiu, tentou limitar a R$ 300 o
benefício e achou que seria possível circunscrevê-lo a três meses, mas agora já
trabalha com a possibilidade concreta de a transformação do Bolsa Família num
programa turbinado e rebatizado ser a única agenda possível daqui para a
frente, já que as reformas parecem ter perdido o bonde.
E Bolsonaro vê seus índices nas pesquisas pararem de
despencar em pleno caso Queiroz. “Como?”, perguntam os desatentos. É o auxílio,
estúpido. Bolsonaro já sacou, e daqui para a frente apostará tudo que puder na
fidelização de uma nova base social, nas classes D e E e nas periferias das
cidades e rincões do País, ao passo que coopta o Centrão para não ver o
impeachment avançar.
Alheia a tudo isso, a esquerda deixa de constituir a frente e construir uma agenda que era sua, para ficar fiscalizando quem tem asa para entrar na festa do céu. E lá vai o sapo escondidinho na viola.
Nenhum comentário:
Postar um comentário