“Não quero essa porcaria de foro privilegiado”, bradou Jair
Bolsonaro, ao lado do filho Flávio, num vídeo de 2017 em que se insurgia contra
o instituto. Seu desejo seria parcialmente atendido depois.
Em maio de 2018, o Supremo Tribunal Federal mudou seu
entendimento a respeito do foro especial por prerrogativa de função, que passou
a valer apenas para autoridades que respondam por crimes cometidos em razão do
cargo e durante a vigência do mandato ou da função pública.
É a esse instrumento, contudo, que o hoje senador Flávio
Bolsonaro (Republicanos - RJ) vem insistentemente recorrendo na tentativa de
blindar-se das investigações sobre sua participação, quando deputado estadual,
no esquema
de desvio de dinheiro público que envolve o notório Fabrício Queiroz.
O vídeo de 2017 se torna assim mais uma prova material de
estelionatos eleitorais cometidos pelo clã Bolsonaro. Se o sacrifício de
princípios nesse caso não chega a surpreender, mais difícil de explicar é
a atitude
dos dois desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio que concederam
a prerrogativa pedida pela defesa do senador.
Os magistrados determinaram que as investigações saíssem da
primeira instância, na qual o juiz Flávio Itabaiana Nicolau vinha atuando com
firmeza, e fossem remetidas ao mais pacato Órgão Especial do TJ fluminense.
Nos meios jurídicos, não se acredita que essa decisão possa
se sustentar. Jurisprudências do STF nem sempre se mostram claras, mas não
há margem para dúvidas aqui.
Como Flávio não exerce mais o mandato de deputado estadual,
perdeu o direito de ser julgado diretamente pelo TJ. É verdade que se tornou
senador, o que lhe daria direito de foro no Supremo, mas somente se fosse
suspeito de crime cometido no novo posto.
Curiosamente, em outra decisão, a mais alta corte do país
derrubou norma que concedia aos vereadores do Rio o mesmo foro dos deputados
estaduais. Com isso, outro filho do presidente da República, Carlos, alvo de
investigação relativa a funcionários fantasmas, perdeu o direito de ser julgado
pelo TJ.
Fato é que Flávio, ao menos, conseguiu ganhar tempo. O
Ministério Público do Rio já recorreu ao STF contra a mudança de foro. Sorteado
relator, o ministro Gilmar Mendes não pretende, entretanto, decidir de modo
monocrático.
O empecilho é que, como o tribunal acaba de entrar em recesso, o julgamento não ocorrerá antes de agosto. Até lá, os Bolsonaros poderão respirar mais aliviados —e certamente não envergonhados.
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