Tomo emprestado conceito desenvolvido pelo filósofo Hans
Jonas (1903-1933) para, em meio às enormes incertezas que pairam sobre a
humanidade em vista da pandemia, seguir explorando caminhos para enfrentar
problemas que se acumulam. Infelizmente, esse imperativo de responsabilidade,
no Brasil, é embaraçado por um ambiente estigmatizado por múltiplas torpezas.
É certo que esse ambiente não é de origem recente. Ao
contrário, há muito a corrupção e a violência criaram raízes profundas em nossa
sociedade, projetando-se sobre o Estado. Erradicá-las de nosso convívio é
missão que requer muita energia política, o que não se vislumbra em horizonte
próximo.
Mais grave é que a corrupção e a violência se inscrevem num
contexto marcado por difamações recíprocas, tagarelice perniciosa, linguagem
chula, intolerância abjeta até mesmo contra a intolerância, sobrevalorização de
questiúnculas, “militância” política de financiamento escuso,
vilanias veiculadas nas redes sociais. Perdemos a amabilidade, reconhecido
traço cultural brasileiro. Exilamos a moderação, a discrição e o autocontrole,
que os gregos identificavam na figura mítica de Sofrósina (Sobriedade, para os
latinos). Essas dificuldades não podem, entretanto, converter-se em óbice
intransponível, mas desafio a ser enfrentado, que deve animar os que assumem a
responsabilidade de refletir e propor.
É alentador ver prosperarem proposições que, sem pretensões
megalomaníacas ou salvacionistas, ferem, de forma pragmática e consistente,
temas de interesse público. No campo tributário, regozijo-me com a apresentação
do Projeto de Lei n.º 3.566 de 2020, na Câmara dos Deputados, que dá concretude
à proposta de moratória tributária, que suscitei em artigo (Moratória),
veiculado no Jota em 24/3/2020.
A proposta é focalizada nos optantes do Simples, inclusive
os microempreendedores individuais, e abrange todos os tributos devidos entre
1.º de abril e 30 de setembro deste ano, nos termos do art. 152, inciso I, b,
do Código Tributário Nacional (CTN).
O montante devido poderá ser parcelado e, subsequentemente,
liquidado mediante pagamento correspondente a 0,3% do faturamento mensal, o que
propicia um permanente ajustamento ao fluxo de caixa do contribuinte. Aos
microempreendedores individuais, será facultado liquidar o débito em 60
parcelas mensais e iguais.
Essa iniciativa parlamentar revela discernimento em relação
à crise vivida pelas micro e pequenas empresas e interpreta corretamente o
tratamento tributário que para elas prescreve a Constituição. Contrapõe-se,
também, àqueles que, desarrazoadamente, condenam o Simples, no pressuposto de
que se trata de renúncia fiscal, sem considerar que o regime decorre de
mandamento constitucional e que, se fosse extinto, nenhuma receita existiria,
porque esses contribuintes se encaminhariam para a informalidade, gerando por
consequência um genocídio tributário.
São alentadoras, também, as reflexões consistentes dos
juristas Hamilton Dias de Souza e Gustavo Brigagão que, se convertidas em
projetos, darão adequado disciplinamento tributário, respectivamente, aos
trusts no exterior e à exportação de serviços.
Além disso, no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n.º 2.446, o voto da ministra relatora Cármen Lúcia
admitiu a constitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do CTN. Pondera,
contudo, que a norma, para lograr eficácia plena, demanda fixação, em lei, de
procedimentos que até hoje inexistem.
A prevalecer o entendimento da relatora, já acompanhado por
quatro outros ministros, serão grandes as repercussões, inclusive em relação a
julgamentos já realizados na esfera administrativa. Daí se impõe, como se
buscou sem êxito na Medida Provisória n.º 66 de 2002, instituir por lei os
referidos procedimentos, adotando, em relação às situações pretéritas, a transação
prevista no art. 171 do CTN. Tal medida, ao resolver e prevenir litígios,
seria, afinal, proveitosa tanto para o Fisco quanto para o contribuinte.
*Consultor Tributário, foi secretário da Receita Federal (1995-2002)
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