Nos últimos anos, o Brasil vem conhecendo tentativas
lamentáveis de censura, encampadas por autoridades dos três Poderes, a
produções artísticas e culturais.
Recorde-se, por exemplo, a proibição, determinada em 2017
por um juiz de Jundiaí (SP), de peça em que Jesus era transposto para os dias
atuais como uma transexual.
Mais recentemente, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo
Crivella, investiu de forma grotesca contra uma publicação em quadrinhos que
continha, na capa, a imagem de dois rapazes se beijando.
Viu-se ainda, no ano passado, a suspensão de exposição de
charges políticas na Câmara Municipal de Porto Alegre, a mando da presidente da
Casa, Mônica Leal (PP).
Agora, os deputados do Distrito Federal se empenham em
alcançar um novo
patamar em matéria de obscurantismo. Tramita na Câmara Legislativa, já
tendo sido aprovado em primeiro turno, projeto de lei que proíbe exposições
artísticas e culturais que, conforme o texto, apresentem nudez ou teor
pornográfico ou que atentem contra símbolos religiosos nos espaços públicos de
Brasília.
De autoria do presidente da Casa, Rafael Prudente (MDB), o
diploma estabelece que o teor pornográfico pode ser caracterizado por
fotografias, textos, desenhos, pinturas e filmes que exponham o ato sexual e a
performance com atores nus, os quais, segundo a argumentação, contrariam
“valores arraigados da sociedade brasileira”.
Trata-se, como se vê, de oficializar a censura prévia. A fim
de justificá-la, o projeto confunde, de forma deliberada, a realização de atos
obscenos em locais públicos, passíveis de punição conforme o Código Penal, com
manifestações artísticas que os contenham, as quais são protegidas pela
Constituição.
Sabiamente, a Carta de 1988 retirou do Estado a
possibilidade de determinar o que os cidadãos podem ou não dizer, escrever,
ler, assistir e encenar, inscrevendo os bens da cultura e do entretenimento no
território da livre expressão.
Ao poder público compete, no máximo, estabelecer
classificações etárias para as atividades e, ainda assim, apenas “para efeito
indicativo”, isto é, como simples sugestão.
Cabe aos que porventura se sentirem incomodados com o conteúdo de determinadas obras o direito de ignorá-las, criticá-las ou, até mesmo, boicotá-las.
Cabe aos que porventura se sentirem incomodados com o conteúdo de determinadas obras o direito de ignorá-las, criticá-las ou, até mesmo, boicotá-las.
Intolerável, numa democracia, é o impulso de proibi-las,
como o manifestado pelos deputados distritais. Assim, só se pode esperar que, a
partir da votação em segundo turno do projeto, eles abandonem essa senda
autoritária.
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