No século XIX, adotamos políticas em favor dos escravos —
fim do tráfico, ventre livre, liberdade a sexagenários — sem defesa da
Abolição. A maldade no tratamento aos escravos ficou mitigada, mas a
barbaridade do regime continuou, amarrando a economia e comprometendo a
decência. Em 1888, os abolicionistas venceram a luta pelo fim do sistema
escravocrata, mas até hoje mantemos uma trincheira da escravidão: a reserva da
educação de qualidade para poucos.
Desde 1980, diversas medidas beneficiam a educação — Emenda
Calmon, merenda, livros didáticos, Fundef, Fundeb, PNE-I e II, BNCC, piso
salarial — mas ela continua entre as piores e mais desiguais no mundo,
emperrando a eficiência da economia e dificultando a justiça social.
Quando imaginamos a tragédia que ocorreria se o Fundeb fosse
extinto, em 31/12 próximo, sua prorrogação deve ser comemorada. Mas, ao lembrar
que já está em vigor há dez anos, imaginamos que, apesar de alguma melhora, a
educação ainda não dará o salto de que precisamos. Devemos parabenizar os que
não deixaram o Fundeb acabar e até conseguiram ligeiro aumento de recursos.
Parabenizá-los como a Rio Branco, pelo ventre livre; Eusébio de Queiroz, pela
proibição do tráfico, Saraiva e Cotegipe, pela Lei dos Sexagenários. Mas nenhum
deles foi um Nabuco, e o Fundeb está longe de ser nossa “Lei Áurea do século
XXI”: educação entre as melhores do mundo e com qualidade da escola igual para
todos.
Para concluir a Abolição, será necessário mais do que leis,
uma estratégia com a meta de colocarmos nossa educação entre as melhores do
mundo e igual para todos os brasileiros, independentemente da renda e do
endereço da criança. Para isso, tratar educação de base como questão nacional,
implantarmos um Sistema Unificado Nacional de Educação, com carreira federal para
os professores, definição de padrões nacionais para edificações e equipamentos,
todas as escolas em horário integral, todas como concessão federal. Uma
estratégia educacionista que derrube a última trincheira da escravidão, rompa
as amarras ao nosso desenvolvimento e construa justiça social.
*Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de
Brasília
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