Bette Lucchese,
Felipe Freire e Marco Antônio Martins, TV Globo e G1 Rio
Flordelis vira ré, apontada por mandar matar o marido,
pastor Anderson; polícia prende 5 filhos e 1 neta
A Polícia Civil do RJ e o Ministério Público do Rio de
Janeiro (MPRJ) prenderam nesta segunda-feira oito pessoas pelo envolvimento
na morte do pastor Anderson do Carmo, executado
com mais de 30 tiros em 16 de junho de 2019.
Segundo a força-tarefa da Operação Lucas 12, a viúva, a
deputada federal Flordelis (PSD-RJ), é
a mandante do crime. Ela não pôde ser presa por causa da imunidade
parlamentar -- quando somente flagrantes de crimes inafiançáveis são
passíveis de prisão.
Segundo a polícia, antes do assassinato a tiros, Flordelis
começou a tentar matar o marido em maio de 2018, botando
arsênico na comida dele.
As prisões foram expedidas pela 3ª Vara Criminal de Niterói,
que aceitou a denúncia do MP e tornou Flordelis ré.
Resumo
- O
inquérito concluiu que Anderson foi morto por questões financeiras e
poder na família -- o pastor controlava todo o dinheiro do Ministério
Flordelis, hoje rebatizado de Comunidade Evangélica Cidade do Fogo.
- Flordelis
é uma das 11 pessoas denunciadas pelo MPRJ (veja a lista
abaixo).
- Após
o crime, Flordelis relatou em depoimento e à imprensa que o pastor teria
sido morto em um assalto.
- A
deputada vai responder por cinco crimes: homicídio triplamente
qualificado (por motivo torpe, meio cruel e impossibilidade de defesa da
vítima), associação criminosa, falsidade ideológica e uso de documento
falso. Pelo envenenamento, ela responderá por tentativa de homicídio.
Sete filhos presos
Com a Lucas 12, chega a sete o número de filhos presos no
caso. Todos já são réus perante a Justiça.
Nesta segunda, foram presos cinco filhos do casal (Adriano,
André, Carlos, Marzy e Simone) e uma neta (Rayane).
A Justiça ainda emitiu mandados de prisão contra dois homens
que já estavam na cadeia: o filho apontado como autor dos disparos (Flavio) e
um ex-PM (Marcos).
Um sétimo filho (Lucas), que já tinha sido preso por
conseguir a arma, foi denunciado na Lucas 12.
A defesa de Flordelis se disse "surpresa com a
prisão". "A deputada está muito aborrecida e chateada com tudo que
está ocorrendo porque tem com ela a inocência", disse o advogado Anderson
Rollemberg (leia mais abaixo).
O PSD divulgou nota em que anunciou "a suspensão
imediata da filiação" da deputada (leia abaixo).
Flordelis não pode deixar o país
Segundo determinação da juíza Nearis dos Santos Carvalho
Arce, a deputada não pode se ausentar do país sem autorização judicial ou
transferir sua residência para outra cidade. Ainda segundo a magistrada,
Flordelis está proibida de manter contato com qualquer testemunha ou com os
outros réus.
“Afastada a possibilidade do decreto prisional por força da
imunidade constitucional, resta a possibilidade de decretação de medidas
cautelares diversas da prisão, que igualmente visam a resguardar a ordem
pública e garantir a conveniência à instrução criminal, de forma a garantir a
regularidade do processo”, diz a decisão.
Mandados no RJ e no DF
Os policiais saíram para cumprir 17 mandados de busca e
apreensão nas cidades do Rio de Janeiro, Niterói e São Gonçalo.
Um dos endereços foi a casa da deputada, local do crime,
no bairro de Pendotiba, em Niterói, na Região Metropolitana do RJ, onde quatro
filhos foram presos.
O apartamento funcional da deputada, em Brasília,
também foi alvo de buscas. Lá, foi presa a neta Rayane. Pouco antes das 7h,
policiais civis do Distrito Federal deixaram o imóvel carregando malotes.
'Um enredo', diz delegado
O delegado Allan Duarte, da Delegacia de Homicídios de
Niterói, afirmou que Flordelis construiu um "enredo" para chegar à
Câmara e construir sua igreja.
Allan explicou que "a principal motivação foi
financeira". "A gente percebeu que foram realizadas diversas
tentativas de envenenamento com doses letais, e esse resultado não aconteceu
antes por motivos alheios à vontade dos autores", afirmou.
Já o delegado Antônio Ricardo Nunes, diretor do
Departamento-Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa, destacou que um
quinto da família se envolveu na execução.
Presos na Operação Lucas 12
A polícia assim dividiu a participação na morte de Anderson.
Presos na casa de Pendotiba (Niterói), local do crime:
- Marzy
Teixeira da Silva (filha adotiva): cooptou Lucas para matar o
Pastor Anderson. Também participou dos envenenamentos;
- Simone
dos Santos Rodrigues (filha biológica): responsável pelos
envenenamentos. Simone buscou informações sobre uso de veneno na internet;
- André
Luiz de Oliveira (filho adotivo): ex-marido de Simone, foi
flagrado em conversas com Flordelis combinando o envenenamento;
- Carlos
Ubiraci Francisco Silva (filho adotivo): pastor, é citado por
participação no planejamento da morte;
Preso em Camboinhas (Niterói):
- Adriano
dos Santos (filho biológico): auxiliou no episódio da carta
falsa;
Presa em Guaratiba (Zona Oeste do Rio):
- Andreia
Santos Maia (mulher do ex-policial Marcos): auxiliou no episódio
da carta falsa.
Presa em Brasília:
- Rayane
dos Santos Oliveira (neta): buscou por assassinos para as
tentativas anteriores, como Lucas. Estava no apartamento funcional da mãe.
Já estavam presos:
- Flavio
dos Santos Rodrigues (filho biológico): apontado como autor dos
disparos, já estava preso e teve um mandado de prisão expedido nesta
segunda;
- Marcos
Siqueira (ex-policial): auxiliou no episódio da carta falsa e já
estava preso com mais um mandado de prisão expedido nesta segunda.
Além desses nove, foram denunciados:
- Flordelis
dos Santos de Souza: é a mentora do crime. Responderá por
homicídio triplamente qualificado; tentativa de homicídio duplamente
qualificado; associação criminosa majorada; uso de documento
ideologicamente falso e falsidade ideológica;
- Lucas
Cezar dos Santos (filho adotivo): já estava preso, mas não teve
mandado de prisão nesta operação.
O nome da operação
"Lucas 12" se refere a uma passagem bíblica. No
livro, o apóstolo lembra uma fala de Jesus a uma multidão.
“O que vocês disseram nas trevas será ouvido à luz do dia, e
o que vocês sussurraram aos ouvidos dentro de casa, será proclamado dos
telhados”, emendou.
“Alguém da multidão lhe disse: ‘Mestre, dize a meu irmão que
divida a herança comigo’. Respondeu Jesus: ‘Homem, quem me designou juiz ou
árbitro entre vocês?’”
“Então lhes disse: ‘Cuidado! Fiquem de sobreaviso contra
todo tipo de ganância; a vida de um homem não consiste na quantidade dos seus
bens.’”
O que diz a defesa da deputada
A jornalistas na delegacia, o advogado Anderson Rollemberg
disse ter ficado surpreso.
“A defesa foi surpreendida com essas prisões preventivas das
cinco filhas da deputada e da neta. Tomaremos conhecimento do que há de
indícios para que essas prisões fossem feitas e para o indiciamento da
deputada, já que na primeira fase da investigação, passou longe de qualquer
prova que a apontasse como mandante", afirmou.
Segundo o advogado, Flordelis não tinha ingerência sobre o
dinheiro da família. "Ela é cantora gospel, líder religiosa e parlamentar
federal. A questão dela sempre foi dar o melhor para os necessitados. Por isso
tinha mais de 50 filhos. Na opinião da defesa, está havendo um grande equívoco
no desfecho desta investigação”.
Desfiliação
Uma nota assinada por Gilberto Kassab, presidente nacional
do PSD, anunciou a suspensão da filiação e prevê a expulsão de Flordelis.
O PSD esclarece que desde o início acompanhou o caso
citado e defendeu o andamento e aprofundamentos das investigações.
Diante do indiciamento da parlamentar, o corpo jurídico
do partido adotará as medidas para a suspensão imediata de sua filiação e, a
partir dos desdobramentos perante a Justiça, serão adotadas as medidas
estatutárias para a expulsão da parlamentar dos seus quadros.
Relembre o caso
O crime ocorreu
na noite de 16 de junho de 2019. Anderson do Carmo foi
morto, com mais de 30 tiros, na garagem da casa onde morava com a família,
em Pendotiba, Niterói.
Para a polícia, ficou evidenciada a intenção de matá-lo, sem
que Anderson tivesse a chance de reagir.
Em junho deste ano, o G1 mostrou que,
segundo a perícia, o pastor levou
mais dois tiros após cair baleado no chão — um na lombar e outro
no ouvido direito. A informação está no laudo da reconstituição do caso.
Flávio dos Santos, filho biológico de Flordelis, é apontado
como autor dos disparos que mataram o pastor. Ele
foi preso no velório do padrasto.
Já Lucas dos Santos de Souza, preso horas depois do irmão, é
acusado de
ter conseguido a arma do crime.
A pistola foi encontrada na casa da deputada. O telefone
celular do pastor nunca apareceu.
Flávio e Lucas foram denunciados por homicídio
triplamente qualificado (por motivo torpe, meio cruel e impossibilidade de
defesa da vítima), com pena prevista de 12 a 30 anos.
Depoimentos conflitantes
Na investigação sobre por que Anderson foi morto, a polícia
encontrou divergências nas versões e inconsistências nos depoimentos da
família.
Os investigadores já sabiam que, além de diversas igrejas
espalhadas pela Região Metropolitana, a família da deputada Flordelis e do
pastor Anderson também tinha uma grande influência política na área.
Já se discutia, por exemplo, indicar uma pessoa de confiança
a prefeito de São Gonçalo nas eleições deste ano.
A carta falsa
Em novembro, o MPRJ apontou que Flordelis era suspeita
de fraudar
uma carta em que um de seus filhos confessou ter matado Anderson a
mando de um dos irmãos.
A parlamentar, em entrevista, explicou que recebeu a carta
das mãos da mulher de um preso. Na correspondência, ainda de acordo com o
advogado de Flordelis, Lucas teria revelado que Mizael oferecera a ele um
emprego e um carro em troca de um “susto”.
“Estão tentando jogar sobre mim uma culpa de um assassinato
que não é verdade, que não fui eu, é uma farsa, e vai aparecer o verdadeiro
mandante”, declarou Mizael.
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