domingo, 27 de setembro de 2020

ENCRUZILHADA

Marcos Lisboa, Folha de S.Paulo

A economia brasileira passa por um momento aparentemente paradoxal.

A recuperação da produção, ainda que desigual nos diversos setores, está bastante forte. Algumas estimativas indicam expansão de cerca de 9% neste trimestre, outras têm resultados mais modestos, mas acima de 6%. Tudo indica que a recessão deste ano pode ficar em torno de 5%, bem melhor do que muitos esperavam em abril.

Esses bons dados correntes, porém, não se refletem nos preços dos ativos, que estão bem piores do que em outros países. A Bolsa de Valores anda de lado, a taxa de câmbio se desvalorizou muito mais do que o previsto e as taxas de juros de longo prazo passam de 8%.

A razão desse descolamento é a incerteza sobre a condução da política fiscal e da agenda de reformas.

Os efeitos da política econômica ocorrem com retardo. A monetária demora cerca de um ano para afetar a economia. A expansão fiscal estimula rapidamente a atividade, mas a ameaça de uma trajetória insustentável da dívida pública leva ao aumento dos juros longos, desestimula o investimento e compromete o crescimento.

Os indicadores recentes de atividade, e os que vão sair nos próximos meses, resultam da imensa queda recente da taxa de juros de curto prazo, assim como da expansão fiscal decorrente do auxílio emergencial implementado durante a pandemia.

Os preços dos ativos, por sua vez, refletem os riscos que ameaçam a economia nos próximos anos.

O governo está em uma encruzilhada e parece dividido sobre qual caminho tomar. Há quem defenda continuar com a política fiscal expansionista, com a extensão do auxílio emergencial para o ano que vem e o aumento do investimento público, sem afetar os demais benefícios concedidos pelo governo.

Outros recomendam que o Orçamento para 2021 respeite a regra do teto. Neste caso, expandir o Bolsa Família ou ampliar o investimento verde-amarelo requer reduzir despesas em outros programas.

A tentação dos governos populistas é ignorar as restrições, expandir o gasto público e distribuir benesses sem o ônus das más notícias. A conta, porém, acaba por chegar. Nas circunstâncias atuais, uma nova crise pode ocorrer antes da eleição.

Caso o Planalto opte pela saída fácil, poderemos vir a ter saudade das taxas de câmbio e de juros deste ano e ser assombrados pela volta da inflação, provavelmente já em 2021.

O caminho da política amadurecida e calejada pela gestão, por outro lado, seria reconhecer os problemas, enfrentar os dilemas e dialogar francamente com a sociedade sobre as difíceis escolhas a serem feitas.

Maturidade e diálogo, porém, até agora, não parecem ser atributos do atual governo.

Marcos Lisboa

Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário