Em meio ao maior
volume de queimadas desde 2012, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e
o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) determinaram, na noite de
quarta-feira, 21, que todos os agentes de combate em campo voltassem às suas
bases. A alegação foi de que o Ministério da Economia se recusava a fazer
repasses de verbas. Muitos dos 1.400 brigadistas já estavam a bordo de barcos e
ônibus quando, após um acordo costurado às pressas com os Ministérios da
Economia e do Desenvolvimento Regional, o Ibama determinou, na sexta-feira, que
os agentes retomassem o combate aos incêndios. O episódio expõe dois aspectos
da gestão ambiental do governo que vêm à tona dia sim e outro também: a inépcia
e a perversidade.
Não é a primeira
vez que Salles ameaça um apagão no combate ao desmatamento e às queimadas.
Neste ano, o orçamento previsto para sua pasta foi de R$ 563 milhões. Ante as
incertezas provocadas pela pandemia, o Ministério da Economia, dentro de sua
competência, determinou uma reserva de caixa de R$ 230 milhões. No fim de
agosto, ante a ameaça de Salles de paralisar as operações, o governo liberou R$
96 milhões para o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Agora, o ministro voltou à
carga para exigir os R$ 134 milhões restantes.
Das duas uma: ou a
pasta, conforme suas dotações orçamentárias, acredita ter algo como um direito
líquido e certo aos recursos, o que lhe daria o direito de acionar as devidas
instâncias administrativas, ou, como é obviamente o caso, se trata de uma
margem discricionária, e sendo assim precisa negociar a liberação com o
Ministério da Economia e, em última instância, com o presidente da República.
Se julgar que o resultado dessas negociações inviabiliza a execução de suas
atribuições, o ministro pode sempre pedir as contas.
O que é
inaceitável, mesmo admitindo-se a legitimidade e a conveniência de suas
pretensões, é que um ministro venha a público expor seus pares da Esplanada dos
Ministérios. Tanto mais grave é a chantagem e a extorsão, com ameaça de
sabotagem às atividades de sua pasta, justamente no momento em que ela enfrenta
o avanço calamitoso do fogo.
A atitude de Salles
é equiparável, se não legalmente, moralmente, a um motim. A Constituição veta
às forças de segurança o direito à greve a fim de impedir que a sociedade seja
privada de um serviço essencial à ordem pública. Salles, por sua vez, mostra
que não hesitará em sacrificar o bem essencial que cabe à sua pasta proteger, o
meio ambiente, sempre que suas pretensões não forem atendidas.
As restrições não
atingem apenas o MMA. Outros ministérios, a seu modo tão essenciais quanto o do
Meio Ambiente, como os da Infraestrutura ou da Agricultura, também sofreram
reduções. Mas seus ministros têm feito o que podem com o que têm.
Salles fez o que
não pode e, para piorar, não buscou o que eventualmente pode ter. Mais de R$
1,4 bilhão do Fundo Amazônia, formado por doações da Noruega e da Alemanha,
está congelado porque o ministro levantou suspeitas de irregularidade na
aplicação de recursos, sem que no entanto tenha apresentado evidências
consistentes. Parte desse montante seria destinada a ONGs ambientalistas, um
dos bodes expiatórios de estimação da militância bolsonarista, mas parte
serviria para equipar órgãos de fiscalização, como o Ibama.
Além disso, o
programa Profisc 1 aprovou em 2018 uma dotação de R$ 140 milhões com validade
até abril de 2021 para o apoio às atividades de fiscalização na Amazônia. Até
agora, o Ibama utilizou R$ 77 milhões, dos quais apenas R$ 10,2 milhões foram
sacados neste ano. Nenhum novo acesso ao recurso foi solicitado pelo Ibama.
Num momento em que
o País é desafiado pela fuga de capitais e por ameaças de investidores e
autoridades estrangeiras alarmadas com o desmatamento, a chantagem de Salles é
um grave sinal de instabilidade e insegurança. Enquanto a flora e a fauna de
importantes biomas são destruídas, o ministro do Meio Ambiente assinala
reiteradamente que, longe de defendê-las com tudo o que tem, pode, a qualquer
momento, abandoná-las à sua própria sorte agindo como um piromaníaco dentro de
seu próprio Ministério.
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