O Senado assinou um
cheque em branco para Kassio Nunes Marques, que substituirá Celso de Mello no
Supremo Tribunal Federal. Na quarta-feira, o desembargador passou dez horas na
Comissão de Constituição e Justiça. Poderia ter passado dez minutos, e o
resultado seria o mesmo. Culpa dos senadores, que abriram mão de escrutinar as
credenciais e as ideias do futuro ministro.
Ao abrir a sessão,
a emedebista Simone Tebet disse que a sabatina “não é, nunca será e não pode
parecer ser mero ato protocolar”. Faltou combinar com os colegas. A maioria
estava ali para gastar tempo e cortejar o indicado. Ele ouviu mais elogios do
que perguntas de quem deveria inquiri-lo.
Apesar das
inconsistências no currículo, Kassio foi chamado de “culto”, “ilustre” e
“dedicado”. “O orgulho que nos enche hoje não é só do Piauí, é do Nordeste como
um todo”, desmanchou-se Ciro Nogueira, o poderoso chefão do PP. “É uma grande e
oportuna indicação, que elevará a nossa Corte Superior”, emendou o emedebista
Renan Calheiros, também investigado na Lava-Jato.
A oposição poderia
apertar o sabatinado, mas preferiu destacar suas virtudes. O líder do PDT,
Weverton Rocha, informou que não faria nenhuma pergunta. “O Piauí está feliz, o
Maranhão, o Nordeste, o Norte”, empolgou-se. O líder do PT, Rogério Carvalho,
ignorou os indícios de plágio e felicitou Kassio por seu currículo. Na
segunda-feira, ele já havia oferecido um jantar para o desembargador.
Em meio ao clima de
confraternização, alguns senadores ficaram à vontade para tratar de assuntos
particulares. Soraya Thronicke, do PSL, reclamou de uma condenação por
litigância de má-fé. Ela disse discordar da multa imposta pela Justiça. “Por
isso eu me nego a depositar uma parte do valor”, acrescentou.
Questões que
poderiam provocar embaraço foram deixadas de lado. Ninguém quis saber se o
futuro ministro vai se declarar impedido de julgar Flávio Bolsonaro, que fez
lobby por sua indicação. Questionado sobre os padrinhos políticos, Kassio
desconversou. “Ninguém interferiu na escolha do presidente”, disse, sem que
ninguém o contestasse.
Em outro momento,
ele alegou não saber o que sua própria mulher faz como assessora do senador
Elmano Férrer, do PP. “Realmente eu não tenho essa informação”, embromou. Mais
uma vez, ficou por isso mesmo.
O indicado recorreu
a um truque conhecido para se esquivar de polêmicas. Disse que não poderia
opinar sobre casos que poderão ser julgados no Supremo. Como quase tudo pode
passar pela Corte, o artifício serve para que os sabatinados não digam nada de
relevante. Os senadores aceitaram a desculpa sem protestar.
Kassio só deixou o
figurino escorregadio para acalmar a base bolsonarista, que esperava a nomeação
de um juiz “terrivelmente evangélico”. Ele citou trechos da Bíblia e prometeu
“valorizar a vida, a família e os valores morais e cívicos brasileiros”.
Na prática, quem
resistiu às dez horas de sabatina continuou sem saber o que pensa o futuro
ministro. Com o cheque em branco do Senado, ele deverá permanecer no Supremo
até 2047.
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