O corte linear das renúncias fiscais concedidas pelo governo
voltou à mesa na discussão das medidas de ajuste fiscal para 2021. Com o pouco
tempo até o final do ano para decisões difíceis e impopulares, não se fala mais
em mexer em apenas um ou outro grupo de isenções e benefícios tributários, mas
passar a tesoura em todas elas ao mesmo tempo e na mesma proporção: algo em
torno de 12% a 15%.
O alvo passou a ser todas as renúncias para engordar os
cofres da União e abrir espaço para novas despesas sem piorar o déficit
público. Essa medida se somaria também à discussão de corte das emendas
parlamentares e outras ações do lado das despesas para o financiamento do novo
programa de transferência de renda aos mais pobres e de investimentos. Frentes
de dificílima execução.
O diagnóstico político é que dessa forma é mais fácil vencer
as resistências daqueles setores, empresas e pessoas físicas que vão perder com
a retirada dos benefícios e incentivos. Um movimento mais rápido e palatável
para angariar apoio no Congresso.
Ainda que esteja no topo da agenda econômica do momento, é
complicado colocar na conta como uma medida que tem chances reais de avançar em
tão pouco tempo. Será preciso um esforço concentrado de convencimento das
lideranças. Com a crise da pandemia, ninguém quer ver ser a sua carga
tributária aumentar.
Há pelo menos quatro anos, o corte de renúncias vai e volta
do debate econômico de Brasília, absolutamente sem sucesso. Tem sido quase um
mantra o discurso de autoridades, políticos e economistas de que é preciso
reduzir renúncias, pois o País não aguenta mais bancar patamar tão elevado, de
4% do PIB, de perda de arrecadação.
Nos últimos anos, para cada tentativa de aumento de gastos,
o tema ressurge como medida compensatória. Mas na hora H não anda. Essa defesa
tem sido muito mais da boca para fora.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2019 prometia um
avanço: o envio de medidas para o atingimento da meta de reduzir os benefícios
tributários para 2% do PIB em 10 anos. Nada aconteceu. Pelo contrário, apenas
uma lista foi enviada ao Congresso sob sigilo e sem nenhum efeito prático.
Os Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, que propuseram
cortes de renúncias para diminuir o déficit em 2021, estão enfrentando fortes
resistências. É tão difícil mexer nesse vespeiro que a menção do presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que o Simples precisa ser revisto que a
acendeu a luz vermelha das micro e pequenas para o risco. É que a desoneração
das empresas pelo regime tributário diferenciado é incluído no cálculo da
Receita como renúncia, uma briga antiga do Sebrae com o Fisco. Se a tesoura for
linear, o Simples também será atingido num momento em que as micro e pequenas
empresas alegam grandes perdas com a pandemia.
Para atropelar o debate, o presidente Jair Bolsonaro acabou
de assinar um decreto tornando permanente em 8% o benefício fiscal a
concentrados de refrigerante produzidos na Zona Franca de Manaus e que favorece
grandes fabricantes, como a Coca-Cola e Ambev.
A redução do benefício havia sido adotada no governo Temer
para compensar perdas de arrecadação com medidas voltadas para atender os
caminhoneiros, que pararam o País. Foi a única medida de corte de renúncias.
Agora, o benefício volta de forma permanente (embora não no mesmo patamar da
época que foi reduzido) justamente quando se discute a revisão das renúncias. É
mais uma decisão do presidente contrária ao ajuste fiscal.
Um olhar rápido sobre as grandes renúncias em 2021 dá a
dimensão da encrenca. A lisa é longo e chata, mas a coluna faz questão de
descrevê-la para mostrar a realidade: Simples (R$ 74,3 bilhões); rendimentos
isentos e não tributáveis do IRPF (R$ 33,5 bilhões); agricultura e
agroindústria (R$ 32,6 bilhões); entidades sem fins lucrativos e imunes (R$
29,2 bilhões); Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio (R$ 24,2
bilhões); deduções do IRPF (R$ 22,1 bilhões); medicamentos, produtos
farmacêuticos e equipamentos médicos (R$ 14,4 bilhões), benefícios do
trabalhador (R$ 14,3 bilhões); desenvolvimento regional (R$ 11,8 bilhões);
poupança e títulos de crédito – setor imobiliário e do agronegócio (R$ 6,8
bilhões); setor automotivo (R$ 5,9 bilhões); e embarcações e aeronaves (R$ 4,5
bilhões). São números fresquinhos que constam na proposta de orçamento de 2021.
Quem vai ter coragem de cortar? Essa guerra será feroz.
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