Odiada pelo PT desde sempre e desprezada pelos bolsonaristas
após a queda de Sérgio Moro do governo, a Lava Jato continua no centro das
preocupações e, se tem adversários poderosos, tem também aliados ágeis e
articulados. Acaba de ter uma vitória preciosa no Supremo e obriga o presidente
Jair Bolsonaro a providenciar frases de efeito e versões para jurar que não é
contra a Lava Jato nem atrapalha o combate à corrupção. Acredita quem quer.
Rápido e de surpresa, o novo presidente Luiz Fux conseguiu,
por unanimidade, tirar os inquéritos e ações penais das duas turmas e jogar
para o plenário do Supremo. Perderam os ministros Gilmar Mendes e Ricardo
Lewandowski, ganhou a Lava Jato. Condenar ou absolver os implicados na operação
vai deixar de depender de dois ministros e voltar a ser responsabilidade de
todos os onze da casa.
Voltar ao plenário não é garantia de vitória ou derrota dos
réus da Lava Jato, mas confere mais credibilidade, peso e força para as
decisões, sejam numa direção ou na outra. O que não era mais possível é
transformar julgamentos em leilão: cair na Primeira Turma era prenúncio de
condenação; cair na Segunda, de absolvição na certa.
O racha no Supremo volta com tudo, Fux tende para o lado
oposto do antecessor, Dias Toffoli, e o primeiro ministro indicado por
Bolsonaro vai fazer toda a diferença. Ainda não se aposta para que lado ele
pende, mas, como a divisão costuma ser meio a meio, para qualquer lado que ele
vá, o resultado vai.
E aí mora um perigo, porque o desembargador Kassio Nunes
Marques começa mal, envolto em suspeitas, com currículo cheio de buracos e
companhias duvidosas, como o ex-advogado de Jair e Flávio Bolsonaro, Frederick
Wassef. Como tem apoio do Senado, do Supremo e do Centrão, afugentou os
bolsonaristas que ainda não entenderam nada. E como já tomou muita tubaína com
Bolsonaro, que responde a inquérito no STF e tem filhos um tanto enrolados, ele
multiplica a desconfiança no conjunto da sociedade.
O Dr. Kassio é considerado “muito político”, “simpático”,
“uma boa conversa” e, como o TRF-1 é em Brasília, tem acesso direto, e fácil, a
Congresso, Judiciário e Executivo. Mas o que se espera de um ministro que vai
(se tudo der certo para ele) ficar 27 anos no Supremo não é nada disso, é
“notório saber jurídico” e “reputação ilibada”. Se inflou o currículo com
cursos rápidos e até plágios com os mesmos erros de digitação e de português,
ele compromete um e implode o outro. Péssimo para Bolsonaro, que já tem o
professor Decotelli na conta.
Por essas e outras, Bolsonaro se saiu com essa, bem ao
estilo da realidade paralela de Donald Trump: “Eu acabei com a Lava Jato,
porque não tem mais corrupção no governo”. Uma frase, vários erros. Quem pode
criar ou acabar com a Lava Jato é a Procuradoria-Geral da República e não dá
para dizer que “não tem mais corrupção” no governo ou fora dele, com tantas
investigações sobre a família presidencial.
Provavelmente Bolsonaro jogou isso no ar para dar discurso a
seus seguidores, que traíram Moro e o que ele representa com muita ligeireza e
nunca perguntaram por que o presidente perseguiu o Coaf, mexeu pauzinhos na
Receita e não sossegou até demitir o diretor-geral da Polícia Federal e o
superintendente no Rio – base política dele e de dois de seus filhos.
Nada disso é trivial, tanto que o Supremo vai ouvir
Bolsonaro sobre a obsessão pela PF, que começou quando Fabrício Queiroz,
rachadinhas, fantasmas e mania de dinheiro vivo entraram em pauta e se tornou
questão de vida ou morte quando Bolsonaro atrelou sua sobrevivência ao Centrão.
Quem depende do Centrão não quer ouvir falar de Lava Jato. Ele nem pode acabar
com a Lava Jato, mas bem que gostaria. E tem agido claramente para isso.
*Comentarista da Rádio Eldorado, da Rádio Jornal e do Telejornal Globonews em Pauta
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