Editorial Folha de S.Paulo
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, habita
uma realidade paralela. Enquanto no mundo as conexões internacionais constituem
um sistema de trocas e interdependência, no qual instituições multilaterais
atuam para dirimir conflitos, o chanceler brasileiro dedica-se a enfrentar
moinhos de vento e tigres de papel.
Em discurso
durante cerimônia de formatura de uma turma do Instituto Rio Branco, o
ministro, em esforço retórico para defender o governo Jair Bolsonaro e a si
mesmo, cometeu a proeza de declarar que, se a atual política externa “faz de
nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”.
Assombrado por miragens ideológicas da Guerra Fria, Araújo
acredita que o objetivo de sua gestão é salvar a pátria das garras do marxismo
globalista, ateu e corrupto.
Em seus desvarios, o chanceler afirmou na cerimônia que o
presidente Bolsonaro e seu colega e modelo norte-americano, Donald Trump,
teriam sido “praticamente os únicos” líderes mundiais a falar em liberdade na
abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro.
Ao mesmo tempo em que fazia referência velada ao governo
ditatorial da China, um de seus inimigos prediletos (e maior parceiro comercial
do Brasil), o ministro gabou-se de ter fechado acordos comerciais com países
como a Arábia Saudita, nação submetida a regime monárquico absolutista.
Araújo encontrou espaço para atacar o diplomata e poeta João
Cabral de Melo Neto (1920-1999), escolhido pelos formandos como homenageado da
turma. O autor de “Morte e Vida Severina”, pontificou o orador, teria se
voltado “para o lado da esquerda”, a favor de “um Brasil sem patriotismo”.
Ao mesmo tempo, o chanceler dá as costas para as evidências
de que o país tem colhido péssimos resultados na área externa.
Afora a destruição do soft power que o Brasil acumulou em
décadas, com base em sua diplomacia equilibrada, em sua pujança cultural e em
seus esforços ambientais, Araújo sabota o que deveria ser o objetivo primeiro
de sua pasta —servir de facilitadora para a conquista de mercados e a inserção
do país nos fluxos de comércio global.
Exemplo clamoroso dessa situação é a recusa de países europeus
em ratificar o acordo com o Mercosul —caberia perguntar se a culpa é da
desastrosa política ambiental em curso ou do suposto avanço do comunismo
internacional.
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