Após quatro dias de conclave, o Comitê Central do Partido
Comunista Chinês apresentou as linhas gerais do novo Plano Quinquenal econômico
e social. Os detalhes serão conhecidos nas próximas semanas e o Plano será
formalizado no ano que vem. Mas o documento já reflete os efeitos da pandemia e
das tensões comerciais internacionais sobre o regime chinês.
O Plano Quinquenal é um resquício do leninismo soviético.
Seria o mais próximo de um “programa eleitoral”, se a República Popular da
China fosse de fato uma república e não uma ditadura de partido único.
O Plano de 2016 asseverava o objetivo do Plano anterior de
transformar a China numa “sociedade moderadamente próspera”, com uma meta
ambiciosa de redução da dívida e crescimento em torno de 6,5% ao ano. Ao
contrário dos outros Planos, o atual não estabelece uma meta de crescimento,
mas as estimativas apontam para algo como 5% ao ano. A redução é efeito não
tanto da pandemia, mas sobretudo das “instabilidades e incertezas” resultantes
da hostilidade comercial liderada pelos EUA.
Analistas chineses preveem que o resultado das eleições
americanas não afetará tanto a intensidade desta hostilidade, mas a sua forma.
Uma nova gestão de Donald Trump pode recrudescer as pressões unilaterais em
favor de condições comerciais vantajosas aos EUA, ao passo que uma gestão de
Joe Biden talvez seja menos agressiva no confronto direto, mas mais capaz de
coordenar resistências multilaterais ao regime chinês, sobretudo em questões ligadas
aos direitos humanos.
Este “ambiente internacional cada vez mais complicado”
explica a ênfase do Partido naquilo que chama “Estratégia de Circulação Dual”,
ou seja, manter o esforço de integração da China à economia globalizada e, ao
mesmo tempo, beneficiar-se disso para estimular o consumo interno em busca de
mais “autossuficiência” e redução da desigualdade.
A estratégia dedica particular atenção à corrida
tecnológica. Prevendo a possibilidade de limitações às importações de insumos
tecnológicos e à exportação de sua tecnologia, o Partido insiste na prioridade
de atingir “grandes saltos em tecnologias cruciais” atualmente dominadas pelos
EUA.
Outro ponto importante é o compromisso climático. A China,
de longe o maior emissor de carbono do mundo, respondendo por 28% das emissões
globais, se compromete a atingir a neutralidade até 2060. A meta é distante e
os meios precisam ser detalhados. Mas a simples fixação de um prazo já implica
um salto adiante, fortalece os esforços de ativistas e outras jurisdições para
promover suas próprias medidas de redução e mostra que o cerco está se fechando
para governantes negacionistas, como Jair Bolsonaro.
Do ponto de vista político, o Plano consolida
inequivocamente a perpetuação no poder do secretário-geral do Partido, Xi
Jinping. Em 2017 o Parlamento removeu da Constituição o limite de dois
mandatos. O próprio Xi cuidou para que fosse embutido no Plano uma espécie de
“Plano de 15 anos” para uma “Grande Nação Socialista Moderna”, sugerindo
indisfarçavelmente o comando vitalício do líder mais poderoso desde Mao
Tsé-tung. O fato de que não foi apontado nenhum civil como vice-secretário do
Partido, tradicionalmente o sucessor do secretário-geral, confirma essa
expectativa.
Assim, o Plano não traz surpresas: nos próximos anos a China
fortalecerá sua autocracia, continuará sua ascensão como potência econômica
global (ainda que num passo mais moderado) e investirá pesadamente em inovação
tecnológica. Mas isso num ambiente comercial cada vez mais volátil em
comparação às últimas décadas. Para países como o Brasil, esse cenário redobra
a necessidade de habilidade diplomática, seja para distinguir entre interesses
econômicos comuns e dissensões político-ideológicas de modo a garantir que uma
área não interfira indevidamente na outra (tarefa particularmente delicada
quando se lida com um capitalismo de Estado), seja para defender os interesses
nacionais em condição de equidistância na disputa geopolítica entre China e
EUA.
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