segunda-feira, 2 de novembro de 2020

ESCOLINHA DO JAIR

Editorial Folha de S.Paulo

Até para o padrão de balbúrdia e inoperância seguido pelo governo de Jair Bolsonaro desde seu início, é espantoso o grau de entropia observado nas últimas semanas.

Conflitos intestinos entre ministros, ataques públicos a adversários reais ou imaginários e intermináveis intrigas palacianas revelam, bem mais que divergências em torno de ideias ou propósitos, uma administração sem rumo.

Um destampatório do titular da Economia, Paulo Guedes, em audiência no Congresso, foi o mais recente episódio do gênero.

Ao discorrer mais uma vez sobre sua cisma em recriar um imposto nos moldes da velha CPMF, Guedes descambou na quinta-feira (29) para uma diatribe contra a federação dos bancos, que estaria a financiar um “ministro gastador” —presumivelmente, Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional).

Noticiou-se que, apenas dois dias antes, Bolsonaro pedira um pacto de silêncio a seu primeiro escalão, na esteira de um entrevero entre Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). Convenha-se, porém, que o exemplo de cima não ajuda.

Desde que veio a público, poucos meses atrás, o vídeo da fatídica reunião em que o presidente da República indicava seu intento de interferir na Polícia Federal, o país conheceu sem disfarces o chefe inseguro e rude, que exigia em meio a palavrões a fidelidade canina de seus auxiliares.

Não poucos, na ocasião, trataram de corresponder de imediato a tais expectativas —no caso mais ruidoso, o então titular da Educação, Abraham Weintraub, defendeu a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal, o que lhe custaria o cargo depois.

Embora tenha recuado nos ataques às instituições republicanas, Bolsonaro nunca abandonou a rotina de bravatas, declarações impensadas e desautorizações em público de ministros. Sente-se visivelmente confortável no caos que patrocina —e que não basta para disfarçar a inação de seu governo.

Tanto quanto pode, terceiriza responsabilidades, como se viu na reforma da Previdência conduzida pelo Congresso e, agora, no combate à pandemia, deixado a cargo de governadores e prefeitos.

Num regime presidencialista, entretanto, a omissão do chefe de Estado e a ineficácia de sua equipe cedo ou tarde resultam na paralisia em áreas cruciais —como se vê hoje na agenda econômica, a despeito dos riscos crescentes para a recuperação do país e a própria sobrevivência política do governo.

Em artigo recente publicado no jornal Correio Braziliense, o general Otávio do Rêgo Barros, ex-porta-voz de Bolsonaro, falou de governantes que passam a rejeitar a discordância e “são tragados pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas demonstrações alucinadas de seguidores de ocasião”. Não foi preciso citar nomes.

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