Naquilo que se tornou uma desagradável recorrência, o
sistema eleitoral americano fez o mundo prender a respiração. Vivas são as
memórias do impasse de 2000, quando George W. Bush triunfou um mês depois do
pleito, numa cruenta disputa judicial.
Em 2016, Donald Trump repetiu seu colega republicano e
também venceu sem ter a maioria do voto popular. A distorção vem do sistema
arcaico de votação nos EUA, que reflete o caráter federativo central para a
fundação do país no final do século 18. Vence quem tiver mais votos no Colégio
Eleitoral.
Com uma eleição indireta no qual o sistema de votação é
díspar nas 50 unidades do país, a confusão é certa quando a polarização se
acentua. Pequenas diferenças podem mudar todo o resultado final.
E a divisão da sociedade americana só fez crescer na
montanha-russa que foi até aqui o mandato de Trump, marcado pelo teste
constante das fronteiras da democracia.
Assim como seus devotos no exterior, e por infortúnio Jair
Bolsonaro se sobressai entre eles, Trump busca a imposição de uma agenda
personalista temperada com mentira e mistificação. Os instrumentos democráticos
lograram conter seus piores intentos, por ora.
Ainda assim, é com amargo gosto de previsibilidade que se
assiste ao espetáculo promovido por Trump desde a madrugada.
O presidente cantou vitória com resultados parciais
favoráveis em alguns estados nos quais a corrida contra Joe Biden estava
apertada.
Pior, disse que iria à Justiça com o objetivo de parar a
contagem, de modo a interromper o jogo antes do fim. Seu arremedo de tese é que
os democratas estimularam o voto antecipado pelo correio, que seria vulnerável
a manipulação.
A pandemia impulsionou a modalidade neste ano. A
participação, segundo estimativas, será a maior em 120 anos. Mas, para o
presidente, “isso é uma enorme fraude”. “É uma vergonha para o nosso país.
Francamente, nós ganhamos esta eleição”, disse, como um garoto mimado, o
republicano.
Ele tinha, àquela hora, motivos para celebrar. A “onda
azul”, em referência à cor do Partido Democrata de Biden, não se concretizou.
Os democratas falharam em galvanizar apoio entre minorias,
como os hispânicos, o que lhes custou os preciosos 29 votos de Colégio
Eleitoral na Flórida. A divisão do país se aprofundou, o que favorece o jogo
extremista de Trump.
Biden deu uma resposta à altura, prometendo obstruir a
ignomínia professada por Trump. Com a aparente reação democrata na apuração
desta manhã de quarta, parecem estar garantidas novas rodadas de ataques aos
fundamentos da democracia. Prender a respiração terá mais de uma utilidade.
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