A declaração de Ricardo Barros, líder do governo na Câmara
dos Deputados, propondo constituinte para elaborar nova Carta para o Brasil
suscitou reação imediata dos que temiam tratar-se de manobra do presidente da
República para consolidar o seu poder com viés populista e autoritário. Mas a
ideia pertenceria só a Barros, expoente do Centrão que já serviu a FHC, Lula e
Temer, além de ter relatado a distorcida e depenada Lei Anticrime, que acabou
enfraquecendo a Lava Jato, operação de que o agora líder de Bolsonaro – quanta
coincidência! – também foi alvo há pouco menos de dois meses.
Por sua vez, falando em mera “cirurgia plástica na
fisionomia do Estado”, o ex-presidente Michel Temer, embora concorde “com
algumas preocupações do deputado Ricardo Barros”, tomou posição contra a ideia
de constituinte, que só teria por justificativa uma ruptura institucional.
Ora, mas essa ruptura já ocorreu e só não a reconhece quem
não quer. Afinal, o que é uma ruptura institucional? Trata-se da ausência de
legitimidade das instituições, refletida na perda do respeito da cidadania pela
autoridade do Estado e na incapacidade manifesta dos mandatários de exercerem
suas funções em prol do interesse público. Diante da imoralidade da conduta de
mandatários que governam e legislam em causa própria, diante de magistrados de
cúpula incapazes de interpretar a Constituição a favor da ordem pública, da
segurança da sociedade e da paz social, o povo não mais acata espontaneamente o
poder constituído, nada mais sendo necessário para caracterizar o divórcio
entre a Nação e o Estado. A ruptura político-institucional não precisa ser
fruto de revolta sangrenta, como a que persiste há um ano no Chile. Basta o
sentimento permanente de indignação e de repulsa da sociedade civil contra o
sistema vigente.
O povo brasileiro quer mais do que uma nova Constituição,
quer uma nova República que seja capaz de desmontar essa estrutura odiosa que
torna o País cronicamente inviável. Quer uma República de oportunidades para
todos, instaurando um regime de isonomia, equidade e acesso da cidadania à vida
pública, acabando com o arquicorrupto profissionalismo político.
Não se pode falar em democracia baseada apenas nas
liberdades públicas que já conquistamos. Os direitos individuais, coletivos e
sociais são um dos seus três fundamentos. Porém não existe regime democrático
sem igualdade de direitos e deveres para todos os membros da coletividade. Não
há democracia sem oportunidades para todos. Não há democracia num país como o
nosso, onde 11,5 milhões de pessoas vivem sem o menor risco econômico, enquanto
100 milhões (população economicamente ativa) assumem todos os riscos na luta
pela sobrevivência. O povo brasileiro está inconformado com os privilégios do
estamento estatal e com as regras constitucionais de dominação da sociedade,
que são a causa do nosso atraso, das injustiças sociais, da pobreza crescente,
da decadência de nossa indústria e da falta de oportunidades de desenvolvimento
pessoal, social e econômico.
É urgente a criação de uma nova República realmente
democrática, fundada numa Constituição com os seguintes princípios normativos:
proibição de reeleição; voto distrital puro; voto não obrigatório; partidos
federais, estaduais e municipais autônomos e independentes entre si, em face do
regime federativo; apuração pública das eleições mediante voto impresso
acoplado às urnas eletrônicas; candidaturas independentes dos partidos
políticos, para todos os cargos eletivos, nas três esferas federativas; perda
de mandato por iniciativa dos eleitores (recall); eliminação do Fundo
Partidário, do fundo eleitoral e das emendas parlamentares ao Orçamento;
reformas constitucionais mediante plebiscito; vedação aos eleitos para o Poder
Legislativo exercer qualquer cargo no Poder Executivo; eliminação dos cargos em
comissão; regime de estabilidade restrito a magistratura, Ministério Público, oficiais
das forças armadas e delegados das polícias judiciárias; regime previdenciário
único para os setores público e privado; regime trabalhista único CLT para os
setores público e privado; não prevalência do direito adquirido no âmbito do
Direito Público; eliminação de adicionais e verbas indenizatórias dos
servidores; seguro de obra pública (performance bond); trânsito em julgado
mediante decisão de segundo grau; fim do foro privilegiado; transformação do
STF em Corte Constitucional, com ministros com mandato de oito anos, nomeados
pelo regime de antiguidade dos magistrados das Cortes superiores (o mesmo
sistema para procurador-geral da República e para os tribunais de contas);
todos os recursos do Orçamento discricionários e contingenciáveis, não podendo
a folha de pagamento dos servidores exceder 25% do Orçamento; fim da exploração
econômica pelo Estado; dever do Estado e da sociedade de defesa e preservação
do meio ambiente.
Essas e outras dezenas de normas estruturais são necessárias
em qualquer Constituição que pretenda pôr o Estado a serviço da Nação, e não o
contrário, como é hoje, sob o regime de 1988.
ADVOGADO, É AUTOR, ENTRE OUTRAS OBRAS, DE ‘UMA NOVA
CONSTITUIÇÃO PARA O BRASIL: DE UM PAÍS DE PRIVILÉGIOS PARA UMA NAÇÃO DE
OPORTUNIDADES’ (NO PRELO)
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