segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

A OMISSÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Editorial O Estado de S.Paulo

Como desculpa para o não andamento das reformas legislativas de que tanto o País necessita, o governo de Jair Bolsonaro valeu-se várias vezes do calendário eleitoral. No entanto, as eleições terminaram no dia 29 de novembro e o presidente Bolsonaro ainda não deu nenhum sinal de que trabalhará pela aprovação das muitas reformas e projetos prioritários para o País. Ao longo da semana passada, viu-se o mesmo e recorrente alheamento da realidade social e econômica do País, bem como do papel do Palácio do Planalto na definição e coordenação das prioridades nacionais.

A omissão do governo federal foi registrada pelo presidente da Câmara. “O governo deveria ter começado o dia hoje cedo com uma coletiva para falar qual é a pauta de seu interesse para os próximos dois meses”, disse Rodrigo Maia, na segunda-feira passada, ao UOL. “Senti falta na manhã de hoje de uma posição mais clara e de urgência, nesse momento, em relação às pautas que tratam das despesas públicas”, lembrou.

A paralisia do governo é constrangedora. Não foi votada a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021, tampouco a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). É esta lei que prevê, por exemplo, a possibilidade de o governo executar, de forma provisória, a duodécima parte das despesas, em caso de não aprovação da LOA. Ou seja, sem a aprovação da LDO até o fim do ano, o governo não terá base legal para realizar nenhum gasto discricionário em 2021.

Na semana passada, foi anunciada para o dia 16 de dezembro a sessão conjunta do Congresso Nacional que vai analisar o projeto da LDO de 2021. No entanto, mesmo em relação a esse tema essencial para o funcionamento do próprio governo, o Palácio do Planalto atua como se não lhe dissesse respeito. Com suas recentes falas, o presidente Jair Bolsonaro fez saber que sua atual preocupação é restabelecer o voto impresso no Brasil para as eleições de 2022, por meio de uma emenda constitucional. 

O alheamento do governo federal estende-se também a outras reformas, como a tributária e a administrativa. Apresentada no ano passado no “Plano Mais Brasil”, um pacote de propostas elaborado pelo próprio Executivo, a PEC Emergencial parece ter sido esquecida. “Sem a PEC Emergencial, (o governo) vai ter muita dificuldade de aprovar o Orçamento”, advertiu semanas atrás o presidente da Câmara.

As dificuldades mencionadas por Rodrigo Maia afetam diretamente o déficit público e o cumprimento do teto de gastos. Envolvem, assim, temas centrais ao País, como confiança dos agentes econômicos, retomada dos investimentos e do emprego e o controle da inflação e taxa de juros. O governo, no entanto, cultiva uma zelosa indiferença em relação a tudo isso.

A omissão do governo federal é especialmente constrangedora ante a situação social e econômica do País. Nos últimos meses, houve significativo crescimento do número de pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza no País. De acordo com cálculos do economista Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), a simples redução do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300 fez com que, na passagem de agosto para setembro, mais de 6,8 milhões de pessoas entrassem na faixa da pobreza no Brasil. Ao todo, 47,39 milhões de brasileiros vivem nessa condição, o que representa 22,4% de toda a população. 

Nesse mesmo período, entre agosto e setembro, cerca de 4,08 milhões de pessoas entraram na faixa da extrema pobreza. Ao todo, são 9,25 milhões de brasileiros (4,4% da população). Preocupante, o quadro tende a piorar. “O pior momento vai ser em janeiro (de 2021)”, disse Duque, referindo-se à data prevista para o fim do auxílio emergencial.

Jair Bolsonaro disse várias vezes que o governo não tem dinheiro para continuar pagando o auxílio emergencial. Falou o óbvio, mas pela metade. Faltou dizer que a principal função de um governo, capaz de produzir uma real diferença na vida da população, é trabalhar diligentemente na agenda de prioridades do País. Por que tanta resistência ao dever, presidente?

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