terça-feira, 8 de dezembro de 2020

POR UM TRIZ

Editorial Folha de S.Paulo

O parágrafo quarto do artigo 57 da Constituição Federal é cristalino: “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

A reeleição para os cargos de presidente da Câmara e do Senado está expressamente proibida. Desde 1999 estabeleceu-se a prática, coerente com a orientação do dispositivo constitucional, de possibilitar a recondução para o início de uma nova legislatura, quando toda a Casa dos deputados e parte da dos senadores acabaram de ser renovadas pelo voto popular.

Diante da impossibilidade, restaria aos inconformados apenas o caminho de tentar alterar o texto da Carta por uma emenda. Não no Brasil, onde questões eminentemente políticas costumam ser decididas pelo juízo da corte constitucional. Por um triz o STF deixou de abonar esse hábito casuístico.

Por 6 votos a 5, num julgamento no plenário virtual, a corte manteve o primado da gramática e da sintaxe da lei fundamental sobre interesses oportunistas inclinados a atropelá-las em nome de facultar nova eleição aos demistas Davi Alcolumbre (AP), no Senado, e Rodrigo Maia (RJ), na Câmara.

Que um partido político, o PTB, tenha deflagrado a operação ao provocar o Supremo, faz parte do jogo. Anomalia foi cinco ministros aceitarem debater a tese —a sigla do notório Roberto Jefferson queria proibir recondução inclusive em legislatura diferente— para colocar de ponta-cabeça uma ordem solar da Constituição de 1988.

Gilmar Mendes, relator da ação, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski chegaram a conclusão esdrúxula —citando autonomia do Legislativo e o fato de a reeleição ter passado a ser válida para o Executivo—, a qual na prática liberava a recondução dos atuais presidentes da Câmara e do Senado em fevereiro próximo.

Superou-os, na criatividade destruidora da vontade do constituinte, o novato Kassio Nunes. Para o ministro, cabia facultar a reeleição só a Alcolumbre, um dos facilitadores da sua ascensão à corte, não a Maia. Começou mal para alguém que ainda precisa demonstrar independência ante o presidente Jair Bolsonaro, a quem interessava manter Alcolumbre.

Submissão às regras do jogo e aos protocolos para alterá-las constitui pilar do desenvolvimento político, social e econômico.

Poderia até ser conveniente, para continuar a repressão ao autoritarismo de Bolsonaro, a manutenção dos atuais presidentes do Legislativo —sobretudo de Maia, que tem atuado como primeiro-ministro de fato e barrado as loucuras mais patentes do Planalto.

Não se combatem, entretanto, os adversários da democracia liberal com os instrumentos deles.

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