quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

ANTIMENDIGO

Editorial Folha de S.Paulo

Pedras, pregos, mangueiras de alta pressão ou simplesmente o confisco das poucas posses. Todas essas armas e mais algumas já foram usadas por sucessivas administrações municipais de São Paulo para tentar retirar moradores de rua de áreas tidas como sensíveis.

A prefeitura sob a gestão de Bruno Covas (PSDB) acaba de escrever mais um dos capítulos dessa triste rotina ao mandar instalar pedras pontiagudas sob o viaduto Dom Luciano Mendes de Almeida, na zona leste, para evitar que mendigos durmam no local.

Após uma péssima repercussão, que não deveria surpreender, a administração se apressou em exonerar o responsável pela decisão.

Essa intervenção antimendigo não passou, mas várias outras passaram, não só na gestão Covas como nas de inúmeros antecessores. Embora dirigentes mais à direita tenham maior facilidade em adotar um discurso de exclusão em defesa da ordem e da segurança, governantes mais à esquerda também incorreram nesse tipo de medida.

Submetidas a diversos tipos de pressão, muitas vezes contraditórias, prefeituras acabam aderindo às pedras e aos pregos. É obviamente uma estratégia moralmente errada e ineficaz mesmo em seus propósitos tortuosos —no máximo, dispersa a população de rua.

Cumpre reconhecer, porém, que está entre as funções legítimas da prefeitura impedir que ocupações permanentes (barracos) se formem sob os viadutos da cidade. Obter esse efeito sem exercer nenhum tipo de coerção não é trivial.

A questão dos moradores de rua é das mais complexas e difíceis de resolver, e dinheiro constitui apenas parte do problema. Mesmo países ricos e com programas sociais bem concebidos não conseguem convencer todos os indivíduos que não têm onde morar a abandonar as vias e viver em abrigos —ou pelo menos a criar conexões com os serviços médicos e de assistência.

No Brasil, ademais, regras de comportamento desnecessariamente restritivas nos abrigos dificultam ainda mais a missão.

Embora não existam fórmulas mágicas, torna-se mais fácil alcançar os moradores de rua se os programas que podem ajudá-los a sair dessa situação estiverem baseados em confiança e não na repressão. Trata-se de meta a ser alcançada por meio de pequenos avanços sucessivos, numa linha semelhante à da redução de danos.​

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