No rol de prioridades legislativas recém-apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro, tão extenso quanto irrealista, não poderiam faltar projetos endereçados aos anseios de sua base mais fiel e ideológica, em especial nos campos dos costumes e da segurança pública.
Se é inegável que Bolsonaro se fortaleceu politicamente com as vitórias de seus candidatos nas eleições para o comando da Câmara dos Deputados e do Senado, menos certo se mostra o avanço dessa agenda retrógrada e, na maior parte dos casos, sem respaldo majoritário do eleitorado brasileiro.
O Planalto defende obsessivamente a ampliação da posse e porte de armas —enquanto, segundo pesquisa Datafolha do ano passado, 72% dos brasileiros aptos a votar discordam da sentença do presidente segundo a qual a população deve estar armada para não ser escravizada por governantes.
Em levantamento do instituto realizado em dezembro de 2019, uma maioria de 57% declarou ser mais importante investir em programas sociais que nas polícias para o combate à violência. Tal preferência decerto não favorece propostas como o excludente de ilicitude para militares em operações de garantia da lei e da ordem.
Considerado um conjunto mais amplo de teses bolsonaristas, não apenas as incluídas na última lista de prioridades legislativas, o Datafolha constatou no início do mandato do presidente que somente 14% dos eleitores compõem seu núcleo de apoio mais engajado.
Esse estrato ganha uma posição estratégica, sem dúvida, com a perspectiva de a deputada Bia Kicis (PSL-DF) vir a ocupar a chefia da poderosa Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
Tristemente celebrizada por divulgar todo tipo de charlatanismo nas redes sociais, em especial a respeito da pandemia de Covid-19, a parlamentar é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal. Sua indicação, contestada até entre aliados governistas, já mancha o início da atuação de Arthur Lira (PP-AL) como presidente da Casa.
A reação a Kicis dá ideia parcial dos obstáculos à pauta reacionária. O pragmático centrão, chamado por Bolsonaro de “nata de tudo que não presta no Brasil” nos tempos de candidato, é o que sustenta o governo hoje —e calculará os custos de encampar projetos de benefícios mais que duvidosos.
Com o país devastado pela crise sanitária e sob ameaça de nova recessão, não pode restar dúvida sobre as reais prioridades imediatas. Sanear as contas públicas e amparar os mais pobres já serão tarefas hercúleas para um governo inepto.
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