Foi auspicioso o discurso do ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão de abertura do ano judiciário. Como convinha, a tragédia da pandemia de covid-19, que já matou quase 230 mil brasileiros, mereceu lugar de destaque na fala do chefe do Poder Judiciário, sobretudo no momento em que a crise sanitária dá evidentes sinais de recrudescimento no País.
Ao lado do presidente Jair Bolsonaro, sabotador de primeira hora das medidas indicadas pelas autoridades sanitárias para contenção do novo coronavírus, Fux afirmou que “é tempo de valorizarmos as vozes ponderadas, confiantes e criativas que laboram diuturnamente, nas esferas pública e privada, para, juntos, nós vencermos essa batalha (contra o coronavírus)”.
Na verdade, desde o início desse flagelo, a Nação carece de ouvir “vozes ponderadas”, especialmente vindas da esfera pública. Não foram poucas as vozes que, ao contrário, estimularam a comunicação truncada entre os entes federativos e a desinformação dos cidadãos, a começar pelo próprio presidente da República, que à esquerda de Fux tudo ouvia, impassível.
O presidente do STF fez bem ao relembrar em seu discurso que em momento algum a Corte Suprema “impediu” a atuação do governo federal no combate à pandemia, apenas reconheceu o óbvio constitucional, qual seja, a competência concorrente da União, Estados e municípios. Por meio de seus canais institucionais de comunicação, o STF já havia desmentido a distorção da decisão alardeada aos quatro ventos por Bolsonaro. Agora, o presidente teve de passar pelo constrangimento de ouvir o esclarecimento da boca do próprio presidente do STF.
Não se pode afirmar que tenha sido esta a intenção, mas, na prática, o discurso de Fux serviu como um contraponto institucional à condução da crise por Bolsonaro. Principal fonte do negacionismo no Brasil, em momento algum o presidente reconheceu a gravidade da crise de saúde, com múltiplos desdobramentos sociais e econômicos, e tampouco mobilizou seu governo para atenuar seus efeitos com um robusto programa nacional de vacinação.
Não por acaso, Fux disse que a ciência – em especial a vacina – permitirá que “a racionalidade vença o obscurantismo”. O presidente do STF teve o cuidado de destacar que “as vozes isoladas que abusam da liberdade de expressão para propagar ódio, desprezo às vítimas e negacionismo científico” não vêm de apenas um Poder. Fux disse ter ficado “estarrecido” com um pronunciamento do presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, desembargador Eduardo Contar, que vociferou nas redes sociais contra “picaretas que defendem o discurso do ‘fique em casa’”. Outro constrangimento para Bolsonaro, que, ao compartilhar o vídeo do desembargador Contar, lhe deu chancela e audiência.
O ministro Luiz Fux também falou para os seus colegas de Corte. “No auge da conjuntura crítica”, disse, “o Supremo Tribunal Federal, em sua feição colegiada, operou escolhas corretas e prudentes para a preservação da Constituição e da democracia.” A relação de Fux com alguns dos demais ministros está estremecida desde o julgamento da possibilidade de reeleição dos presidentes das Casas legislativas, no fim do ano passado. “Rejeitamos o estigma das ‘onze ilhas’, como alguns tentam fazer crer.”
A Nação só tem a ganhar com uma Corte Suprema que privilegia a sua “feição colegiada”, tal como estabelece a Constituição, e que se mostre ciosa de seu papel de último anteparo contra as tentativas de violação da Lei Maior.
Tanto melhor quando o STF se mostra atento às prioridades do País, como o combate ao vírus mortal, a segurança jurídica, a paz social e a construção de um ambiente propício ao crescimento econômico.
Mais importante, porém, é o STF servir como inexpugnável fortaleza da democracia diante de uma súcia cada vez mais atrevida que pretende solapar a liberdade no País.
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