O senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator-geral da proposta orçamentária deste ano, tem uma missão ingrata. Ele terá que descobrir uma maneira de fechar o Orçamento sem paralisar investimentos ou afetar serviços públicos. A avaliação dos especialistas é que as despesas não cabem dentro do teto de gastos sem que cortes adicionais sejam realizados. O relator não pode, no entanto, dar ouvidos a propostas que resultariam, em última análise, em subestimar despesas.
Um caminho nessa direção já foi trilhado em 2019, quando o Congresso Nacional aprovou o Orçamento de 2020. O então relator-geral da proposta orçamentária, deputado Domingos Neto (PSD-CE), reduziu as despesas com pessoal em R$ 6 bilhões, na suposição de que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186/2019 teria “aprovação célere”, pois ela era “considerada fundamental por expressiva parcela dos membros do Congresso”.
A PEC 186/2019 prevê, entre outras coisas, a redução da jornada de trabalho em até 25% com diminuição proporcional da remuneração nos exercícios financeiros em que a União descumprir a chamada “regra de ouro”, que proíbe o aumento da dívida pública acima da elevação da despesa de capital (investimentos e amortização da dívida). A PEC veta também o aumento do valor de benefícios de caráter indenizatório para servidores, assim como proíbe a progressão e a promoção funcional em carreira.
O relator Domingos Neto estimou quanto essas medidas impactariam as despesas e, com base no cálculo, reduziu o gasto com pessoal. Desta forma, ele abriu espaço no teto de gastos para acomodar emendas parlamentares. O problema é que a PEC 186/2019 não foi aprovada, a despesa com pessoal não foi reduzida, mas as emendas parlamentares, que são impositivas, ficaram no Orçamento para serem executadas. Esta foi uma clara maneira de furar o teto, sem qualquer reação do mercado.
O relator Bittar não pode, portanto, acolher a tese que foi abraçada pelo relator que o antecedeu, segundo a qual, se existe uma proposta legislativa em análise pelo Congresso, que prevê a aprovação de medidas reduzindo a despesa da União, a economia que seria obtida já pode ser incorporada ao Orçamento. Esta seria uma maneira tosca de burlar e desmoralizar o teto de gastos.
Se a tese prevalecer, bastará que, todo ano, o governo encaminhe um pacote de medidas de redução de despesas ao Congresso, estime a economia que terá com elas e incorpore ao Orçamento, no pressuposto de que serão aprovadas. Mesmo sabendo de antemão da impossibilidade de aprová-las. A farsa seria tão grande que, provavelmente, ninguém terá coragem de adotá-la.
Mas existe uma abordagem mais sofisticada. Desde 2017, quando o teto de gastos passou a ser a principal âncora fiscal do país, o governo registra o que o ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida chamou de “empoçamento” de recursos. O fenômeno resulta, basicamente, da excessiva rigidez orçamentária brasileira, marcada por vinculações de recursos a despesas específicas, por mínimos legais e constitucionais, despesas de execução obrigatória e emendas parlamentares impositivas.
O Tesouro Nacional libera recursos para os ministérios e órgãos público, que, no entanto, não conseguem, por razões diversas, gastar o dinheiro. Por causa da rigidez excessiva, o Tesouro não pode alocar estes recursos para outras finalidades. O dinheiro acaba “empoçado”, ou seja, fica parado no caixa do ministério ou do órgão e termina sendo incorporado ao resultado primário da União.
No ano passado, R$ 21,7 bilhões ficaram “empoçados”. Em 2019, o “empoçamento” atingiu R$ 17,4 bilhões, enquanto que no ano anterior ele ficou em R$ 7,7 bilhões. Uma ideia que está sendo analisada é como reduzir o “empoçamento” para abrir espaço para outras despesas, principalmente investimentos.
Obviamente, a resposta mais razoável para a pergunta é reduzir as vinculações de receitas, ou seja, diminuir a rigidez orçamentária, o que é um dos “3 Ds” do ministro da Economia, Paulo Guedes. Os outros dois, são desindexação e desobrigação do gasto. Mas, dificilmente esta alternativa será adotada, pois ela envolve o abertura de sérios conflitos dentro da nova base política do governo. O risco, portanto, é que seja adotada uma fórmula fantasiosa apenas para disfarçar o furo do teto de gastos.
Há, no entanto, outra questão que está sendo considerada. No ano passado, a despesa total da União, ou seja, o que foi efetivamente pago, ficou R$ 52,2 bilhões abaixo do limite permitido pelo teto de gastos. O “empoçamento” explica apenas metade da folga. Outra razão para ela é que várias despesas obrigatórias foram estimadas acima do que foi efetivamente realizado, como os gastos com benefícios previdenciários, abono salarial, seguro-desemprego, pessoal e subsídios.
Para fechar o Orçamento deste ano, uma estratégia em análise é tentar fazer estimativas mais próximas da realidade. “Não dá para projetar uma despesa muito maior do que ela vai ser”, ponderou uma importante fonte do governo. O problema, no entanto, é cair no oposto, ou seja, subestimar despesas para cumprir o teto.
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